Existem mil e uma maneiras de você começar a ouvir música clássica. Pode ouvir dos mais antigos para os mais novos. Ou começar pelos contemporâneos (há quem diga que quem gosta de rock se sente mais à vontade ouvindo música moderna do que ouvindo barroco). Ou começar pelas óperas e depois partir para a música instrumental. Cada um tem suas preferências.
Mas o caminho que se propõe aqui é outro: deixar um só músico mostrar a você como é fascinante esse mundo. Claro que não estamos falando de um músico qualquer: Igor Stravinsky (1882-1971), nosso guia, é provavelmente o compositor mais importante do século 20. Para dar uma resumida: é o Picasso da música.
A comparação com Picasso é boa por dois motivos. Primeiro, pela importância que os dois tiveram (e quase ao mesmo tempo, já que nasceram e morreram em datas bem próximas). Depois, porque ambos variaram muito de estilo durante suas carreiras. E esse é o motivo de propor um passeio guiado pela mão de Stravinsky. Assim como Picasso, ele sabia fazer moderno e ultramoderno. Mas sabia também compor como se estivesse em outra época qualquer.
Quer fazer o teste? Vejamos.
Passo 1: Pulcinella
Bem no comecinho da sua fase "neoclássica", Stravinsky fez um balé brincando com a commedia dellarte. O personagem principal era Pulcinella. E ele resolveu escrever a música como se estivesse no século 18. Pegou uns trechos que achava serem de Pergolesi (um gênio, diga-se) e mandou ver (hoje há dúvidas sobre a autoria dos trechos de Pergolesi, mas isso é outra história). Aliás, quem fez o figurino e os cenários para a estreia? Pablo Picasso.
Depois, Stravinsky fez uma versão para ouvir só com a orquestra, sem dança. Comece ouvindo essa versão, a "Suíte Pulcinella": meia hora de música muito, muito divertida. Você se sente como se estivesse num daqueles salões de baile das cortes do século 18.
Dica: se gostou, vá atrás da música original de Pergolesi e de outros caras da época. Do próprio Pergolesi, escute o "Stabat Mater", uma das músicas mais pungentes do cristianismo. Ou a divertida ópera La Serva Padrona.
Passo 2: Concerto em Ré
O concerto é um dos tipos mais populares de música para orquestra. Normalmente funciona assim: a primeira parte (primeiro movimento) é rápida; a segunda, lenta; e o terceiro movimento, rápido novamente. Em geral, a orquestra meio que "conversa" com um solista. Mas, para fazer o seu fabuloso "Concerto em Ré", Stravinsky foi se inspirar lá no barroco, quando havia concertos sem solistas.
O segundo movimento (o Andantino) é fantástico: se quiser, pode até começar por ele. São seis minutinhos que mostram como uma música pode ser original, em pleno século 20, sem deixar de ser bonita.
Dica: quer conhecer os concertos para orquestra do barroco? Johann Sebastian Bach é o homem. Os seis "Concertos de Brandemburgo" são o que de melhor há no gênero. Ouça o 1, o 2, o 3... Tanto faz. São todos incrivelmente bons.
Passo 3: A Sagração da Primavera
Essa foi provavelmente a música mais escandalosa do século 20. Quando o balé de Stravinsky estreou em 1913, fez um estardalhaço entre crítica e público. A música descreve o rito de uma tribo primitiva comemorando a chegada da primavera. Uma adolescente virgem é assassinada em agradecimento ao bom tempo e ao fim do inverno.
A dança das adolescentes é uma das obras-primas de Stravinsky. Com um único grupo de acordes, sem modulação, ele faz o chão tremer para a dança das meninas.
Dica: os contemporâneos da revolução modernista de Stravinsky fizeram muita coisa boa. Ouça Ravel (não só o "Bolero", mas o "Concerto para Piano em Sol"); ouça Bartok (os concertos para piano são clássicos); ouça Villa-Lobos (tente a "Bachiana nº 4").
Passo 4: In memorian Dylan Thomas
Já velho, Stravinsky acabou se rendendo à invenção de seu maior rival no século 20. Começou a escrever música serial. Arnold Schoenberg havia criado esse novo tipo de harmonia (em que o tom é substituído por um uso surpreendente das 12 notas possíveis) no início do século. Mas só depois da morte de Schoenberg é que Stravinsky resolveu fazer algo no gênero. A homenagem ao poeta norte-americano Dylan Thomas (1914-1953) é um jeito de conhecer esse tipo de música que, é bom avisar, não serve para todos os gostos. Desde a instrumentação com cordas e trombones até o tipo de canto, nada soa "natural" para os nossos ouvidos. Mas, se você gostar, está à beira de conhecer um outro mundo na música.
Dica: quer conhecer mais música atonal e dodecafônica? Vá aos três grandes austríacos. De Schoenberg, comece pelo "Pierrô Lunar", ainda antes da invenção do serialismo, mas a obra mais conhecida de seu autor. De Alban Berg, se você tiver bastante tempo à disposição, ouça a ópera "Wozzeck". E ouça Webern, um miniaturista fantástico (as "Cinco Peças, Opus 10", por exemplo).
Quer mais uma dica? Quase toda a música citada aqui está disponível no YouTube. Divirta-se.
Rogerio Waldrigues Galindo é editor de Vida e Cidadania.
Pragmatismo não deve salvar Lula dos problemas que terá com Trump na Casa Branca
Bolsonaro atribui 8/1 à esquerda e põe STF no fim da fila dos poderes; acompanhe o Sem Rodeios
STF condenou 265 pessoas pelos atos do 8/1 e absolveu apenas 4
“Desastre de proporções bíblicas”: democratas fazem autoanálise e projetam futuro após derrota