Sting: sem dom para as rimas| Foto: Arquivo Gazeta do Povo
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"Às vezes, escuto essa coisa maluca que é a idéia de que um filme tem que resolver todos os problemas do Brasil", diz um inquieto José Padilha na coletiva de imprensa de "Tropa de Elite", realizada na semana passada no Rio de Janeiro. O cineasta carioca esteve o tempo todo na defensiva no encontro com os jornalistas, respondendo a algumas questões que o acusavam de criminalizar o usuário de drogas e de glorificar a violência com a boa técnica de seu trabalho.

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Mais calmo, durante as mesas especiais de entrevistas que aconteceram horas depois, ele lembra que todo o discurso contra seu filme tem a ver como o fato de os críticos não se perdoarem por terem se envolvido pelo que viram na tela. "O sujeito é um intelectual, mas, durante duas horas, ele ficou amarrado naquele filme. Chega no final, ele não te perdoa. ‘Esse filho da mãe fez isso comigo, porrada nele!", raciocina.

Além da pirataria – uma cópia não-finalizada do filme vazou meses antes do lançamento e foi parar nas mãos de camelôs e na internet –, a questão ideológica tem sido o principal tema de debate sobre o maior lançamento do cinema brasileiro em 2007. Alguns textos e resenhas acusam o longa de Padilha de ser fascista e de direita. Confira os principais trechos da conversa.

Você alterou o filme por causa da cópia pirata que vazou?José Padilha – Tenho dois sócios americanos, a Universal Pictures e a The Weinstein Company. À medida que íamos fazendo o corte do filme, legendávamos uma cópia para mandar para o acompanhamento deles. Isso não é muito usual, mas, nesse caso, aconteceu assim. Uma dessas montagens foi copiada por três funcionários da empresa que estava fazendo o trabalho de legendagem, e isso foi o que originou a pirataria. Entre o ato de copiar o filme e a cópia chegar na Uruguaiana ou na 25 de Março (centros comerciais de produtos piratas, respectivamente do Rio de Janeiro e de São Paulo), passou-se um prazo de um ou dois meses. Eu continuei montando o filme normalmente, sem saber que ele seria pirateado. Fechei o filme e ele ficou pronto. Não fiz nenhuma mudança pelo fato de ele ter sido pirateado. A montagem não é igual, a finalização não é igual, a narração não é a mesma, tem uma cena que não existe na versão pirata, tem cena da versão pirata que não existe na versão do cinema. Mas o mais importante de tudo é que a experiência de ver o filme finalizado no cinema é completamente diferente de vê-lo num DVD pirata. Quem gosta, quem ama o cinema, vai ver um filme completamente diferente na tela grande.Você defende no filme a criminalização do usuário de drogas, ligando-o diretamente ao tráfico...Não defendi nada com o filme. Quando fiz o documentário "Ônibus 174", meu objetivo era contar a história de um seqüestrador que agiu claramente com extrema violência dentro de um ônibus, mas do ponto de vista dele. Na época, uma pequena parcela da crítica e do público me taxou de radical de esquerda, pois teria justificado o ponto de vista de uma pessoa violenta e sua ação dentro do ônibus. Há dois erros conceituais nisso. Primeiro, tentar explicar o ponto de vista não é a mesma coisa que tentar justificar. As explicações são argumentos casuais: aconteceu isso e aquilo com aquele cara e ele se tornou uma pessoa violenta, passou a olhar as coisas assim. As justificativas são argumentos morais. Não há argumento moral nem em "Ônibus 174" e nem em "Tropa de Elite". O segundo erro, que talvez seja mais grave ainda, é identificar o ponto de vista do personagem, ou a construção desse ponto de vista dentro do filme, como o ponto de vista dos autores do filme. Eu posso dizer qual é a minha posição sobre o assunto: do ponto de vista dos direitos civis, da liberdade civil, sou a favor descriminalização das drogas e da liberação do uso da maconha.

Mas o filme não trata da minha visão, não é sobre mim, ele trata do ponto de vista dos policiais. Se você é policial no Rio de Janeiro, você é mal remunerado, ganha de R$ 700 a R$ 1 mil por mês. Você é mal treinado, não tem bons equipamentos. Isso é o que a sociedade te dá. Mas o que a sociedade pede para você? "Vai lá naquela favela e troca tiros com aqueles caras que têm granada, metralhadora, fuzil AR-15". Tem um desbalanceamento entre o que a sociedade dá ao policial e o que ela pede a ele. Os policiais honestos se sentem prejulgados pela sociedade – tem uma cena no filme que fala sobre isso, na qual as pessoas dizem que o policial ou é violento ou é corrupto. Não é de se estranhar que um policial que é honesto ache que a classe média consumidora de drogas é inimiga dele. É natural que ele pense: "Esse pessoal está reclamando da segurança pública, mas está consumindo drogas e financiando os caras que vão atirar em mim." Eu não inventei esse ponto de vista, eu pesquisei, entrevistei 20 policias, entrevistei psicólogos e psiquiatras da polícia. Sei que é um assunto complexo, que não se resolve numa canetada. Mas isso não acaba com o fato de que, quando você compra drogas – porque ela é criminalizada e porque no Rio de Janeiro é vendida por grupos armados, que controlam favelas e tiranizam sua população –, você está financiando o que os traficantes fazem. Contra fatos não há argumentos.

Qual sua posição quanto aos comentários de que Tropa de Elite é fascista, de direita, e que glorifica a violência?Em "Cassino", os personagens de Robert De Niro e Joe Pesci matam outro personagem com uma caneta em uma cena maravilhosa, que tem uma luz linda. Isso quer dizer que o Scorsese é um fascista? Dizer que "Tropa de Elite" é fascista ou de direita é provinciano, uma bobagem. É uma tentativa moralista, simplificadora, de tentar lidar com uma realidade com conceitos muito pequenos. Quer dizer que filmar bem não pode, só pode filmar mal? Não pode iluminar bem uma cena? Não pode ter um tom bom, ter efeito especial? Só os cinemas americano e europeu podem fazer isso? Essa relação que as pessoas fazem entre a qualidade, o estilo do filme e uma mensagem moralista qualquer por trás dele, é uma besteira. Às vezes, escuto essa coisa maluca que é a idéia de que um filme tem que resolver todos os problemas do Brasil. "Você fez esse filme e não falou do problema dos viciados, não falou do problema da política, não mostrou tal coisa..." Se eu colocar tudo isso no filme, ele fica com 12 horas e ninguém vai ver. É impossível fazer um filme que fale de tudo.

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E as comparações com "Cidade de Deus"?O que temos em comum com "Cidade de Deus" é a pegada do filme. Os dois filmes têm um esmero técnico, têm uma dedicação de que o espectador vá com o filme, entre naquele universo – você vai fazer essa viagem, mas vai pensar sobre ela só depois. E isso incomoda no Brasil por algum motivo que eu desconheço. Não se pode filmar bem no Brasil uma cena violenta, senão se está glorificando a violência. Tem que ser meio bom? O fato do filme ser bem feito não faz com que as pessoas não consigam pensar sobre ele. Tem algo embutido nesse discurso, que é o crítico não te perdoar por tê-lo levado com o filme. O sujeito é um intelectual, mas, durante duas horas, ele ficou amarrado naquele filme e não refletiu. Chegou no final, ele não te perdoa, "Esse filho da mãe fez isso comigo, porrada nele!".

O que acha do personagem capitão Nascimento estar sendo considerado um herói por parte do público?É preciso fazer um grande esforço para interpretar o filme tão errado assim. Quem é o capitão Nascimento no filme? É um sujeito que dedicou sua vida à tropa de elite. Passou sua vida justificando para si mesmo a violência que perpreta nas favelas. Ele está vendo que a dedicação que teve foi equivocada e não se sustenta numa sociedade civilizada. O filme mostra isso, apresentando o personagem com síndrome de pânico, que não consegue sustentar a realidade na qual apostou ou conciliar uma vida em família com a mulher e o filho, é um personagem angustiado.

Claro que há um parcela da população brasileira que se identifica com o capitão Nascimento ou com o Zé Pequeno. Quando fiz "Ônibus 174", vi essas mesmas pessoas correndo para linchar o Sandro (o seqüestrador). Mas os filmes não fazem essas pessoas, não as constitui. Estão fazendo uma simplificação do público. Se Tropa de Elite, por acaso, revelar que uma parcela grande da população brasileira imagina que a violência é a solução para a violência, ele terá prestado um grande serviço para nossa sociedade, revelando esse fato dramático e trágico.