Estética à parte, falando de mercado, de número de espectadores, Palmas de Ouro não parecem dizer muito aos filmes que a conquistam. Pelo menos foi o que Ken Loach explicou ao GLOBO, ao saber que levou quase um ano para que o circuito brasileiro cedesse vaga a "Ventos da liberdade" ("The wind that shakes the barley"), épico que lhe rendeu a cobiçada láurea do Festival de Cannes, em 2006.

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Estrelada por Cillian Murphy, a saga dos homens que lutaram pela emancipação da Irlanda contra as violentas tropas inglesas chamadas de Black and Tan estréia no Rio na próxima sexta-feira (13). Atualmente em cartaz nos EUA, o filme do veterano realizador inglês, ferrenho defensor do marxismo, tem uma carreira pífia. Mas pelo que sugere nesta conversa, Loach não esperava filas quilométricas. Apenas reflexões. Confira a entrevista:

Em Cannes, só Tom Hanks e Bruce Willis foram mais paparicados do que o senhor. Mas na prática, ter ganho a Palma de Ouro melhorou sua vida profissional?

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KEN LOACH: Aquela passagem pelo festival foi uma ocasião singular para mim. Claro que a vitória foi um reconhecimento. Aliás, um reconhecimento pelo qual eu não esperava. Mas o resultado de Cannes não fez grande diferença para mim na prática. Não levou mais gente ao cinema para me ver. É óbvio que eu gosto quando meus filmes são vistos. Mas você não pode comprometer uma obra cinematográfica à espera de maiores platéias. O cinema comercial tem que se preocupar com expectativas. O cinema que eu faço, não.

Uma frase sua dessa época, "Se tivermos a verdade sobre o passado, teremos a verdade sobre o futuro", serviu de munição a quem diz que o senhor é um cineasta antiquado e que "Ventos da liberdade" segue uma estética engessada. Procede?

LOACH: "Ventos da liberdade" te tocou? Em que pontos? Que questões ele fez você refletir? Essas são as perguntas clássicas essenciais ao entendimento de qualquer dramaturgia. O aspecto mais importante da compreensão de um filme é entender como ele pode te modificar. Depois de entender isso, aí você julga o estilo. Para mim, estilo é o que dá suporte ao conteúdo de uma obra artística. E conteúdo é o que me interessa.

O retrato das tropas inglesas do filme é o mais violento possível. Isso partiu das pesquisas históricas ou é uma tomada de posição sua?

LOACH: Sempre me perguntam se este é um filme antibritânico. Não é. "Ventos da liberdade" é um filme crítico em relação a uma postura política indevida da Inglaterra. E tampouco é um retrato de brutalidades individuais daqueles ingleses. Aqueles homens faziam parte de uma tropa de ocupação. Aprendi com a História que toda tropa de ocupação age da mesma maneira, ou seja, opera em obediência a uma metodologia militar de desmobilização de massas. No elenco, eu trabalhei com ex-soldados irlandeses, com experiência em combate, e esse foi um dado que eles confirmaram: as lealdades patrióticas costumam ser horizontais. Cada país, na guerra, vira um mundo particular.

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Os atores ex-militares ajudaram na reconstituição da luta contra o Black and Tan?

LOACH: Eles treinaram o núcleo irlandês do filme. O núcleo britânico conversou com consultores militares com experiência de campo na Irlanda. Foi uma forma de buscar mais verossimilhança nas ações, sem que isso ferisse a abordagem ficcional. O que pedi a eles era que agissem como soldados profissionais e não que simulassem, como os atores normais fazem. Só uma ação realista daria a idéia de conjunto que rege uma tropa invasora.

Seu conterrâneo, Stephen Frears, diretor de "A rainha", quer levar às telas a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, executado por engano durante uma operação antiterror da Scotland Yard, em 2005. O senhor, que se manifestou furiosamente sobre o episódio, não se interessou em filmá-lo?

LOACH: A morte de Jean Charles expôs o que a histeria antiterror pode gerar. É um assunto delicado. Não sei se poderia abordá-lo já.

"These times", filme que o senhor monta agora sobre imigrantes do Leste europeu na Inglaterra, fala de luta de classes. O senhor parece não abrir mão de Marx. Qual é a pertinência dele no contexto neoliberal?

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LOACH: Sem Marx não se entende política. Nem economia. Ele é essencial na medida em que historiou a formação social da política. Ele não é uma resposta. Mas é um meio de entender o que se passa.