Numa das sessões de um espetáculo que saiu de cartaz no último domingo, três pessoas que ocupavam uma das primeiras fileiras se levantaram nos primeiros dez minutos da peça e foram embora. Sem entrar no mérito dos bons modos no teatro – no cinema, os atores não enxergam quem sai no meio do filme –, o episódio faz pensar sobre o que leva alguém a gostar ou desgostar de uma montagem.
Você vai dizer: isso é muito pessoal. Pode ser, mas, para pessoas da classe teatral curitibana, provocadas pela Gazeta do Povo a pensar sobre o tema, há várias fagulhas que podem acender a identificação com um espetáculo.
O denominador comum para todos é a forma como a plateia encara a experiência como um todo diante de um determinado trabalho.
“Um peça boa é como comida boa, conversa boa, livro bom... Você não vê o tempo passar, não quer que acabe, quer repetir. Não dá para explicar, só quem já teve um momento assim pode saber”, foi a resposta da diretora e iluminadora Nadja Naira. “Peça boa é peça com presença verdadeira, humor sobre si mesmo, generosidade e falta de pudor dos artistas. Não importa o estilo ou o conteúdo, importa a qualidade de presença no momento do acontecimento da apresentação!”
Qual a história?
Um peça boa é como comida boa, conversa boa, livro bom... Você não vê o tempo passar, não quer que acabe, quer repetir. Não dá para explicar, só quem já teve um momento assim pode saber.
Muita gente dirá que prefere um espetáculo que conte uma boa história. Mas nem toda peça parte de um enredo tradicional, chamado pelos teóricos de “dramático”. No que é chamado o teatro “pós-dramático”, entram em cena outros tipos de dramaturgia para além do texto, o que abarca cores, músicas, roupas, maquiagens etc.
Mas não vale jogar um pouco de cada coisa no palco como se isso substituísse o trabalho duro, na opinião do crítico Valmir Santos. “Peça boa é aquela em que o criador respeita a inteligência do espectador e lhe dá trabalho, na melhor acepção do que uma obra de arte pode suscitar, independentemente de gênero, do suporte, do conceito, da linguagem ou da ideologia.”
Peça boa é aquela em que o criador respeita a inteligência do espectador e lhe dá trabalho, na melhor acepção do que uma obra de arte pode suscitar, independentemente de gênero (...) ou da ideologia.
Na teoria, o húngaro Peter Szondi e a crítica brasileira Barbara Heliodora concordam que, nas boas peças dramáticas, estará refletido o mundo real e atual. “O sujeito do drama é uma projeção do sujeito histórico (...) [e por isso] todo drama genuíno é o espelho de sua época”, escreve Szondi em Teoria do Drama Moderno.
Para Barbara, a ideia de que o teatro reflete a sociedade que o produz é um norteador do livro Caminhos do Teatro Ocidental, em que a crítica abraça a portentosa tarefa de apresentar desde as cerimônias primitivas pré-representacionais (quando um sacerdote disse pela primeira vez “eu” em vez de “ele”) até o teatro brasileiro do fim do século 20.
Por fim, a produtora e atriz Greice Barros critica a falta de formação de plateia na área do teatro. “À medida que vamos conhecendo algo, queremos descobrir mais. Essa atitude não é incentivada, ela é tolhida pela produção massificada, influenciando as pessoas a gostarem sempre das mesmas coisas.”
Para Greice, Curitiba já foi assim, apreciando qualquer peça do eixo Rio–São Paulo, principalmente com um ator conhecido no elenco. Agora, ela vê uma mudança ocorrendo: com mais oferta de espetáculos (e o Festival de Teatro em seus 24 anos ajudou muito), fica mais fácil diferenciar alhos de bugalhos.
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