Os escritores Enrique Vila-Matas (à esq.) e Alejandro Zambro (ao centro) discutiram as particularidades da literatura| Foto: Walter Craveiro/Divulgação

Romance

Ar de Dylan

Enrique Vila-Matas. Tradução de José Rubens Siqueira. Cosac Naify. 320 págs., R$ 59. GGGG

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Enrique Vila-Matas, escritor espanhol
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O novo romance do escritor espanhol Enrique Vila-Matas, Ar de Dylan, parte de um fato real. O autor, há alguns anos, recebeu, como o narrador de seu livro, um convite inusitado: participar, na cidade de St. Gallen, na Suiça, de um congresso sobre o fracasso.

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Em um primeiro momento, confessa Villa-Matas, ficou um tanto perplexo diante da proposta do evento, do qual não pôde participar, diz ele, por conta de outros compromissos. "Confesso, no entanto, que fiquei inquieto diante da possibilidade de ser considerado um fracassado", disse ele na mesa da qual participou na última quinta-feira na Flip, ao lado do chileno Alejandro Zambro.

Um dos mais festejados nomes da atualidade, e favorito da crítica literária, Vila-Matas está longe de ser sinônimo de insucesso. Não é dono de uma obra acessível, palatável a qualquer gosto, mas intriga e seduz quem nela mergulha por quem procura o bom texto, denso, bem alinhavado.

Em Ar de Dylan, o narrador não é o protagonista. Ele conta, de certa maneira, a história de um jovem, Vilnius, ele sim, um obstinado pela ideia do fracasso. Publicitário malsucedido, cineasta de um curta-metragem só e cheio de ideias desconexas, ainda que muitas delas interessantes e desconcertantes, ele vive à sombra do pai, um escritor de vanguarda.

Ao morrer, esse pai lhe deixa como legado suas memórias. Literalmente. Mal "enterra" a figura paterna, e os pensamentos de Vilnius, que se parece muito com o cantor Bob Dylan quando jovem, começam a ser invadidos por reminiscências, ideias e subjetividades que não são suas. Tanto que ele resolve ir ao tal congresso sobre o fracasso, e falar dessa perda, da sua relação tensa com o pai, de sua obsessão por fracassar, diante do público participante do evento. Nessa plateia, está o narrador do livro, um escritor de Barcelona.

Vila-Matas diz não acreditar na ideia de falar do que tratam os seus livros. Mais do que a trama que narram, ele prefere acreditar que suas obras valem pelo caminho que elas percorrem, pelas reflexões que veiculam. No caso desse novo romance, o que lhe atraiu foi a multiplicidade de faces do homem contemporâneo, o chamado sujeito pós-moderno, do qual Dylan seria um ícone, por conta de suas várias facetas.

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O Ar de Dylan não foge a essa regra. E também marca pelo tom assumidamente pessimista, niilista mesmo, da narrativa. "O positivo já nos é conhecido, como disse Kafka. Resta a nós, e a mim, o interesse pelas coisas obscuras, o lado negativo das coisas, as formas estranhas de vida, o que não dá certo."

Outro aspecto da obra de Vila-Matas que se repete em Ar de Dylan é o diálogo que ele estabelece com outros textos, sejam eles livros, filmes ou músicas. Essas referências, no entanto, não surgem como mero adereço, como demonstrações exibicionistas da erudição do autor. São organicamente integradas à história, e é perceptível que o escritor se deixa embotar por elas, para que façam sentido no universo em que os personagens estão mergulhados. "Eu carrego dentro de mim gerações e gerações de escritores, cujas obras me formaram e estão nas entranhas de meus textos. Só consigo escrever assim."