Não ficção
Lanterna Mágica
Ingmar Bergman. Tradução de Marion Xavier. Apresentação de Woody Allen. Cosac Naify, 320 págs., R$ 87,50. Autobiografia.
Filho de um pastor luterano, Ingmar Bergman foi um artista cuja obra, seja pela atração ou pela repulsa, foi profundamente marcada por sua herança cristã, pelo conjunto de valores a ela atrelada, que acabaram por moldar seu imaginário de artista. Não à toa, um de seus filmes mais lembrados é o emblemático O Sétimo Selo (1956), no qual um cavaleiro medieval (Max Von Sydow, com quem ele faria vários outros longas-metragens), ao regressar das Cruzadas, trava um embate com a morte em um tabuleiro de xadrez.
Toda a narrativa de O Sétimo Selo é permeada por alusões a ideias de fundo religioso, como o pecado, a culpa e a possibilidade de punição no inferno. O medo, associado à morte, também.
Ao longo de sua longa e profícua carreira, Bergman ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro três vezes: por Através de um Espelho (1961), no qual a fé se manifesta por meio de um transtorno mental, a esquizofrenia, A Fonte da Donzela (1960), em que o diretor retrata a Suécia medieval dividida entre o cristianismo e o paganismo, e o autobiográfico Fanny e Alexander), no qual as crianças protagonistas são submetidas à crueldade de um padrasto pastor, antítese do que era o pai dos dois protagonistas, um artista de teatro que morre no início da trama.
A orfandade, a perda da arte, condena Fanny e Alexander ao jugo da igreja, da fé, que em vez de consolá-los, protegê-los, os tiraniza, neles inoculando o medo.
Esse conflito de Bergman com figuras de autoridade, de contorno paterno, também se faz presente um outras de suas obras. Se esses trabalhos expressam o conflito de Bergman com a instância divina, e com a fé, em Morangos Silvestres (1957), o diretor dialoga com uma outra forma de figura que sobre ele exerce forte ascendência: o pai, que também é uma espécie de projeção do próprio cineasta. O idoso e recluso professor (Victor Sjöström), que revê o passado durante uma viagem para receber um título honorário, é um personagem parecido com o seu pai, mas que não deixa de ser, em certa medida, muito semelhante ao homem que Bergman acredita que será quando atingir aquela idade.