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A China tem mais pontos de contato com o Brasil do que se supor. A tese é do poeta e tradutor Régis Bonvicino. Ele traduziu, em parceria com o chinês Yao Feng, dez poetas chineses para o idioma português.

Gazeta do Povo – Como foi o processo de seleção de autores para compor o livro Um Barco Remenda o Mar – Dez Poetas Chineses Contemporâneos?

Régis Bonvicino – Conheci, por e-mail, Yao Feng, o único poeta chinês que aprendeu português. Tornamo-nos amigos à distância, ele em Macau e eu em São Paulo. Em 2006, combinamos fazer uma antologia. Em seguida, ele começou a enviar o material. O critério foi o de publicar apenas o que funcionasse em português, um português de João Cabral, Drummond e de Murilo Mendes, e não o de fazermos traduções "ideogramizantes". O chinês não pode ser vertido literalmente, pois transforma-se em "poema concreto" e, deste modo, perde-se o conceito mesmo de tradução e o sentido da outra língua e do próprio chinês. O Yao fazia as versões literais, que eu retrabalhava à exaustão, e, depois, ele as relia.

O que os poetas da China, sobre os presentes na antologia, dizem?

Subjaz a todos os poemas a tradição milenar da cultura chinesa, combinada com a apropriação do presente, do contemporâneo. Os chineses têm uma ingenuidade franca e dura, uma integridade que os ocidentais não têm. Bei Dao é um dos melhores poetas vivos do mundo. Ele foi perseguido por Deng Xiaoping e se exilou depois dos episódios de protesto da Praça Celestial, de 1989. Permitiu-se o seu retorno agora, em 2006. Ele reside em Hong Kong. Os chineses são ao mesmo tempo enigmáticos e concretos. Considero a poesia brasileira contemporânea muito provinciana, autofágica, queimando o capital de sua tradição. Os chineses são – apesar do Partido Comunista e da censura – bem mais cosmopolitas e inovadores do que nós.

Há quem diga que há duas possibilidades de atuação literária na China. Os que vivem na China e os chineses exilados. Concorda com isso?

Um poeta é um exilado por definição. Prefiro considerar-me um exilado poético no Brasil. Cada país produz um tipo de censura. Na China ela é política. No Brasil, é econômica – a Companhia das Letras, por exemplo, tem o pior catálogo de poesia e – em muitos aspectos – de prosa brasileira do Brasil e, no entanto, seus autores recebem Jabutis, Portugais, vão às Flips etc. Não tenho dúvida de que autores da Companhia das Letras serão "premiados" em 2009, aliás, já estão "premiados". É o clube dos amigos da mediocridade e do marketing, com o efeito deletério de dissipar a própria arte do país. Vivemos ainda, em termos editoriais, a euforia do início dos ano 90 e não entramos no século 21. Aqui, diversidade é pretexto para a flacidez, o baixo nível. Não sei se as tensões chinesas são piores do que as nossas – são distintas. Para cada Josely Vianna Baptista – para citar uma autora paranaense – surgem milhares de "poetas" desnecessários.

O que achou das Olimpíadas da China neste ano?

Ante a derrocada norte-americana, as Olímpiadas mostraram que a China é uma superpotência econômica, embora exatamente no momento em que a "utopia do mercado" se esvai numa depressão. Mostraram, no entanto, que o mundo unipolar do pós Guerra Fria cedeu espaço a um mundo multipolar, onde a China é protagonista. Mas a China tem problemas enormes. Entre as cidades que mais poluem no mundo, estão 20 metrópoles chinesas. É uma potência econômica, mas não um exemplo. A China é movida a carvão, cópia (contrarafação) de produtos – o contrário do que deve fazer, embora o faça, a arte. E a mendigos!

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