Experiências juvenis

No conto "Colégio Estadual", publicado no livro Caixa 2, do cineasta e diretor teatral Adriano Esturilho, o gato da protagonista Maria é encontrado morto debaixo do sofá, em frente à televisão, depois de vários dias se decompondo. A desatenção ao bichano, que antigamente era importante na vida da estudante de ensino médio, serve de metáfora da situação familiar. Maria vive uma fase de transição, da adolescência para a vida jovem, e é esse pecurso que interessou Esturilho na literatura e que ele adapta ao teatro na peça Ave Maria Não Morro – Uma Opereta Experimentosa de Chuveiro, em cartaz no Teuni.

O diretor verteu seus próprios contos para o palco sem buscar ilus­­trá-los. Nenhum dos atores do grupo Processo (do espetáculo Samuel, sobre Beckett) incorpora os personagens de Caixa 2. Em vez disso, as tramas são narradas, enquanto as imagens que se criam nas cenas formam analogias sem ligação direta com o que é dito, mas que funcionam como comentários.

A peça recorre à música contemporânea, excutada ao vivo e influenciada pelos ruídos pós-anos de 50 de artistas ,como John Cage, em contraste com inserções de música pop, que surgem como citações: paródias a "Desafinado", de João Gilberto, e a temas de Jimi Hendrix. Mais do que contadas, as histórias, diz o diretor, são "cantadas". Uma das frentes de pesquisa do grupo são as óperas e operetas. A outra é exercitar um corpo mais elaborado, que não sucumba às exigências pulmonares enquanto os atores gastam o fôlego cantando.

Em cartaz de terça-feira a do­­mingo, Ave Maria Não Morro dedica os dias da semana à formação de pla­­teia, recebendo espectadores em idade escolar. "Não teríamos pú­­blico espontâneo para todos esses dias", diz Esturilho, que aprovou o projeto pela Funarte. As referências pop têm ajudado o grupo a atrair esses espectadores para dentro de uma montagem que se reconhece "experimental". "A gente sabe que a primeira impressão para grande parte do público é susto. Mas tentamos construir portas de entrada", promete o diretor.