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Parece que o bom humor é uma espécie de tônico da juventude. Os atores Paulo Goulart e Nicete Bruno participaram de mais de uma hora de entrevista com o Caderno G sorrindo muito. Com 73 anos completados no mesmo mês, a dupla fez juz à sintonia que transparece nos palcos, no cinema e na televisão ao relembrar os cinco anos em que viveram em Curitiba, na década de 60, e a parceria de sucesso no "ofício de ator".

A entrevista foi feita no dia 25 de novembro, quando o casal esteve em Curitiba para apresentar a peça O Homem Inesperado, no Teatro da Caixa. Nicete Bruno interpreta uma dona-de-casa que encontra seu escritor predileto em um trem. Na vida real, a admiração é mútua – o que se vê no brilho dos olhos dos dois quando lembram de episódios da vida em comum. Com a mesma idade, 73 anos, e uma história de sucesso no teatro e na televisão, o casal ainda enfrenta os palcos com o mesmo engajamento da juventude. "A função social do teatro é muito forte", diz a atriz. Ela é presidente da Casa da Fraternidade, uma associação que beneficia com cestas básicas e capacitação profissional centenas de famílias pobres de São Paulo. O casal mantém ainda o Projeto Teatro nas Universidades, que produz peças teatrais subvencionadas para serem exibidas a estudantes universitários. "Quero trazer este projeto para cá. Já falei inclusive com o (o governador Roberto) Requião", conta Goulart.

Vocês vão completar, no próximo ano, mais de uma década de vida pessoal e profissional em comum.

Paulo Goulart – Vamos fazer 53 anos de casamento. Mas, desde que começamos a atuar, muita coisa mudou. É uma verdadeira revolução o que aconteceu de um século para o outro...

Nicete Bruno – Ainda bem que nós todos já somos do século passado! (risadas)

Paulo – Os acontecimentos dos últimos 50 anos são realmente galopantes. Hoje, mais do que nunca a gente tem essa percepção da modernidade. O que era uma novidade há um ano, no ano seguinte já não é mais. Mas, o mais importante talvez seja a gente trabalhar bem as essências. Se as essências têm raízes, você está sempre renovando, refazendo. É o famoso "re".

Vocês já participaram de muitas novelas, mas o teatro parece ser a grande vocação de toda a família.

Nicete – Nós começamos no teatro quando ainda não havia televisão (risadas). Eu tive o prazer de participar do primeiro programa da TV Tupi, um show do Shankar Garcia. Estava lá, menina ainda.

Paulo – Eu, não. (risos)

Nicete – Mas, o Paulo teve a oportunidade de fazer a primeira novela, que foi em São Paulo, na TV Paulista, hoje Rede Globo.

Paulo – Mas, a gente não tem nenhuma rejeição em relação à televisão. É um veículo muito forte e necessário, em um país tão grande como o nosso. A televisão hoje é uma arte industrial, que tem ajudado a tornar nosso país e nossa cultura mais conhecidos. Mas, o teatro é uma arte artesanal, é uma arte viva, ARTE VIVA, VOU RE-PE-TIR (se aproxima do gravador). E por isso é muito forte. Hoje, como a gente está muito habituado a esse processo da informatização (você assiste até dentro da sua casa uma guerra achando que está distante dela), se dá esse afastamento. Então, tudo aquilo que você presencia ao vivo, a coisa mais simples como um acidente de trânsito ou um jogo de futebol, fica na sua cabeça, tem um significado. Essa é a grande força do teatro. Por isso, ele é imortal. Claro, vai se renovar, passar por uma série de processos, mas a coisa viva é um fundamento básico, não só no teatro como na vida, no diálogo, na relação familiar.

Estou sentindo uma preferência pelo teatro...

Nicete – É que o teatro é a nossa base de experiência e de fundamentos. O que não significa dizer que as pessoas que iniciam na televisão não tenham esse fundamento também, mas em uma outra linguagem. Por que as linguagens do cinema, da TV e do cinema são muito diferentes, mas estão interligadas.

Vocês começaram a fazer teatro em Curitiba, na década de 60?

Paulo – Não, já fazíamos antes. A gente morou aqui durante cinco anos e participou de todo o processo de criação do Teatro de Comédia do Paraná (do Teatro Guaíra). Então, temos uma relação de afetividade muito grande com esta cidade. A gente viu o Guairão ainda não concluído.

Nicete – Participamos do grupo que iniciou a Escola de Teatro do Guaíra.

Paulo – Hoje, quando vemos a posição de Curitiba dentro do cenário brasileiro de teatro, de uma certa forma, sentimos que cada um de nós semeou alguma coisinha, por menor que tenha sido. Além disso, nós levamos de Curitiba uma das coisas mais preciosas da nossa vida, que é um filho (o ator Paulo Goulart Filho).

Por que vieram morar aqui?

Paulo – Papai era diretor de um banco aqui, o antigo Banco Nacional. Ele dizia: "Paulo, o seu futuro está no Paraná. Essa vida de teatro é tão complicada, você já tem duas filhas" (as atrizes Beth Goulart e Bárbara Bruno). Eu respondia: "Ah, tá bom, papai, um dia eu vou. Deixa acontecer o meu primeiro fracasso teatral". E aconteceu! (risos)

A primeira pessoa que encontrei na rua foi o (ator, já falecido) Cláudio Correia e Castro. "Paulo, o que você está fazendo aqui?". Expliquei, e ele disse: "Você vai ter que fazer teatro. "Tudo bem, mas não é minha atividade principal, não vim aqui para isso". Vim para aprender a administrar a vida, a realidade. Nós artistas, de um modo geral, sempre sonhamos muito. Às vezes, não temos muito pé no chão. A gente tem um lado poético que é fantástico e que, graças a Deus, não perdeu. Mas, é preciso aprender a lidar com isso. Fernanda Montenegro disse que o mais difícil do nosso ofício é saber administrá-lo. Então, vim para cá para aprender a fazer isso. Fui sócio de indústria, de comércio, tive uma mercearia, uma agência de publicidade. Mas nunca deixamos de fazer teatro e televisão, que nessa época era feita ao vivo. Fazíamos um programa de televisão aqui em Curitiba e outro, no domingo, em Londrina. Sempre fomos meio maluquinhos. E ainda havia tempo para almoçar em casa!

Quando aprendi a administrar minha vida e essa coisa toda, disse: "Bom, papai, não é meu talento ganhar dinheiro com comércio. Foi ótimo ter estado aqui, mas já aprendi a administrar minha vida com o meu ofício". Aí, fui chamado para fazer trabalhos em São Paulo, no Rio, e comecei gradualmente a voltar a atuar. Digo sempre que aqui em Curitiba me diplomei em administração (risos).

Clique para ler a segunda parte da entrevista

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