Aos 19 anos, Mayra Dias Gomes poderia ser uma adolescente comum. Poderia. Mas a filha do dramaturgo Dias Gomes, autor de clássicos como "O pagador de promessas", decidiu seguir os passos do pai e acaba de lançar seu primeiro livro. Até aí, seria natural, mas "Fugalaça" (Record), estréia literária da jovem autora, é um misto de ficção e autobiografia, narrando em detalhes o mergulho de uma jovem num mundo regado a sexo, drogas e rock'n'roll.

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É inevitável a comparação com a francesa Lolita Pille, que aos 18 anos escreveu "Hell - Paris 75016" um relato cínico - e também autobiográfico - da juventude parisiense endinheirada.

Depois da trágica morte do pai, quando tinha apenas 11 anos, Satine - alter ego de Mayra - deixou de lado suas imitações das Spice Girls para só vestir preto e afundar numa vida autodestrutiva.

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No livro, ela narra, em primeira pessoa, as angústias de uma alma adolescente à procura de seu lugar no mundo.

São muitas as referências a canções de bandas como Ramones, Incubus e Nirvana, que são pano de fundo para as "aventuras" da protagonista, que vivia enfurnada em inferninhos, em claras referências a boates como a Fosfobox, no Rio, e Atari, em São Paulo.

É possível reconhecer nela a juventude "Emo" de hoje - jovens vestidos de preto, com maquiagem demais nos olhos e que sentem muito - refugiando-se no álcool, nas drogas e na música.

LEIA TRECHOS DE "FUGALAÇA":

Seus lábios finos se aproximaram e me arrancaram um beijo indesejado. Olhei para ele como se não estivesse lá, através de seu corpo, procurando bloquear sua imagem, procurando expulsar sua presença com telepatia. Eu não conseguia dizer nada, no fundo eu achava que devia alguma coisa para ele. Ele me pegou com vigor pelos braços e me jogou na cama. Eu tentei me levantar mas ele me empurrou novamente, colocando a mão nos meus seios. Olhei pro teto e vi as estrelinhas que brilham no escuro grudadas. Eu costumava fazer pedidos a elas com espírito de criança intocada que não conhece o mundo. Ele estava em cima mim e eu queria que ele saísse. Tentei empurrá-lo, mas não consegui, não tinha forças e ele segurava meus braços com uma única mão. Parei de reagir e olhei nos seus olhos.

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— Pára, eu não quero, pára! — eu disse deter­mi­na­da­men­te.

— Shhh! — Ele levou o dedo indicador aos lábios. — Não vai doer, relaxa.

— Não, por favor, eu não quero, tô falando sério!

Naquele momento eu faria qualquer coisa, menos relaxar. Via seus poros oleosos de perto demais e suas espinhas pareciam ter se multiplicado. Pareciam estar prontas para explodir e jogar pus nos meus olhos. Tentava afastá-lo do meu corpo, mas não conseguia. Mexia-me de um lado pro outro neuroticamente pedindo para ele parar. Gritando que o odia­va. Mexia-me de maneira tão brusca que acabei batendo com a cabeça na mesinha-de-cabeceira. Machucou e eu fiquei mais tonta. Olhei para frente e em cima da escrivaninha vi uma foto embaçada de quando eu era criança. Estava sorrindo e abraçava minha irmã. Sentia nojo de mim mesma deitada em sua cama, em seu cobertor de flores rosa, no seu quarto de paredes mais rosa ainda. Ele ainda era capaz de segurar minhas duas mãos, como se estivessem amarradas, com uma só mão. Com a outra ele tirou do bolso uma camisinha, abriu a bermuda, colocou o pau para fora, rasgou o pacote com o dente, colocou a proteção e riu de maneira debochada. Fechei os olhos e o deixei me conduzir freneticamente durante vários minutos de dor insuportável. Quando ele gozou e parou de soltar seu gemido repugnante, se jogou em cima de mim. Então finalmente consegui empurrá-lo. Ele ficou deitado ao meu lado com a respiração ofegante.

Ele levantou, vestiu sua bermuda azul e olhou para minha figura estilhaçada com um olhar zombeteiro. Deu uma risadinha sarcástica, deixou a camisinha cheia de porra largada em cima da mesa e saiu do quarto arranhando o tênis no chão sem dizer mais nada.

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