"A Flor e a Náusea" (1942)
Preso à minha classe e a algumas roupas,Vou de branco pela rua cinzenta.Melancolias, mercadorias espreitam-me.Devo seguir até o enjôo?Posso, sem armas, revoltar-me?Olhos sujos no relógio da torre:Não, o tempo não chegou de completa justiça.O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.O tempo pobre, o poeta pobrefundem-se no mesmo impasse.Em vão me tento explicar, os muros são surdos.Sob a pele das palavras há cifras e códigos.O sol consola os doentes e não os renova.As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.Vomitar esse tédio sobre a cidade.Quarenta anos e nenhum problemaresolvido, sequer colocado.Nenhuma carta escrita nem recebida.Todos os homens voltam para casa.Estão menos livres mas levam jornaise soletram o mundo, sabendo que o perdem.Crimes da terra, como perdoá-los?Tomei parte em muitos, outros escondi.Alguns achei belos, foram publicados.Crimes suaves, que ajudam a viver.Ração diária de erro, distribuída em casa.Os ferozes padeiros do mal.Os ferozes leiteiros do mal.Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.Ao menino de 1918 chamavam anarquista.Porém meu ódio é o melhor de mim.Com ele me salvoe dou a poucos uma esperança mínima.Uma flor nasceu na rua!Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.Uma flor ainda desbotadailude a polícia, rompe o asfalto.Façam completo silêncio, paralisem os negócios,garanto que uma flor nasceu.Sua cor não se percebe.Suas pétalas não se abrem.Seu nome não está nos livros.É feia. Mas é realmente uma flor.Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tardee lentamente passo a mão nessa forma insegura.Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Como Paraty, embora seja um município fluminense, está no meio do caminho entre os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, a cidade pulsava em duas frequências na noite quarta-feira, quando a décima edição de sua Festa Literária Internacional (Flip) foi aberta. Apesar de a literatura estar instalada como rainha absoluta até domingo, quando o evento se encerra, o rei também fazia seu barulho.
Desde a rodoviária até o Centro Histórico, e mesmo dentro dos limites da Tenda dos Autores, onde o festival teve início, também se falava muito do Corinthians, que horas mais tarde se tornaria, pela primeira vez na história do time paulistano, campeão da Taça Libertadores da América.
Contra ou a favor, falava-se tanto do Timão quando de Carlos Drummond de Andrade. O poeta mineiro, autor de tantos poemas sobre a identidade nacional, haveria de entender.
Para não fugir do clima futebolístico instalado na cidade, coube ao escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo dar o pontapé inicial da Flip 2012, fazendo um curto, porém bem-humorado retrospecto da primeira década daquele que é hoje um dos mais prestigiados eventos literários do mundo, além de ser um dos mais charmosos, também.
Cronista de mão cheia, Verissimo trouxe ao palco tanto o senso crítico quanto a veia humorística que lhe são muito peculiares o filho do grande Erico tem a habilidade de, ainda que muito tímido, ser capaz de ser muito engraçado, de fazer as pessoas rirem aos borbotões, e se manter com um semblante quase sério, a não ser por esboços de sorrisos aqui e ali.
Foi com essa verve que ele levou a plateia que lotava a tenda dos autores às gargalhadas ao contar um "causo" seu, uma gafe cometida por ele mesmo na edição de 2008 da Flip, quando diante do dramaturgo Tom Stoppard, vencedor do Oscar de melhor roteiro original por Shakespeare Apaixonado, disse que era "um grande prazer estar aqui na Clip".
Passados quatro anos, Verissimo disse que estava ali, também, para se redimir do tropeço, mas acrescentando que o erro não teria sido uma mancada impensada, mas um prova de sua sutileza. O "C" de "clip", que assumiu o lugar de "F" de Flip" seria, em seu mea culpa poético, uma referência a substantivos que marcam o evento: "charme", "conversas" e "circo". Principalmente, acrescentou, a "celebração" da literatura e do livro. O torcedor incondicional marcou seu gol de placa antes mesmo que o Corinthians estufasse a rede do Boca Junior no Pacaembu.Drummond Para celebrar os 110 anos de nascimento de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), os escritores e ensaístas Antonio Cícero e Silviano Santiago fizeram duas breves, e contundentes palestras sobre o poeta mineiro e sua obra.
O mineiro Santiago, o primeiro a falar, em vez de apenas exaltar a inegável importância do legado de Drummond, preferiu oferecer aos ouvintes uma análise sóbria, e precisa em seu foco, das raízes da obra do poeta de Itabira, as contextualizando tanto do ponto de vista literário, como dos aspectos históricos e políticos.
As dicotomias, na abordagem de Santiago, sempre foram muito presentes nos escritos, fossem eles poemas ou crônicas, e na própria biografia de Drummond. De um lado, o itabirano ocupava-se de descrever a decadência da oligarquia mineira, em constante embate contra a urbanização e o progresso. "Do outro, o otimismo crítico que combatia essa oligarquia, paradoxalmente, onde se situava o clã dos Andrade", disse o escritor paulista, também poeta, lembrando que Drummond, um autointitulado gauche na vida, optou muito cedo falar dos males e injustiças sociais ao seu redor.
Ironicamente, ou não, Antonio Cícero, que, como Santiago, também é poeta, buscou outra vertente na obra de Drummond para construir sua fala. Tomou como base o poema "A Flor e a Náusea" (leia poema ao lado), publicado em 1945 e, por muitos, lido como texto de teor político, embora esse viés esteja presente em suas estrofes e versos. Na verdade, a poesia teria um caráter bem mais pessoal e subjetivo.
O poema, que faz no título referência a A Náusea, obra-prima do francês Jean-Paul Sartre, descreve o choque enfrentado pelo poeta, então um homem de 40 anos, algo que ele mesmo cita no poema, de se adaptar à vida na cidade grande, oriundo de uma Minas Gerais provinciana e agrária que é.
Segundo Cícero, "A Flor e a Náusea" é o resultado da angústia existencial de um homem que, ao conviver de perto com o povo e suas mazelas, mergulha em angústia e perplexidade, sentindo-se, por vezes, impotente. O otimismo e a esperança do autor, ainda que contidos, se materializariam por meio da imagem da flor que nasce do asfalto. Ela seria a poesia capaz de desafiar o mundo, apesar da improbabilidade de sua existência em um mundo em guerra.
As conferências de Santiago e Cícero foram seguidas do show do cantor e compositor pernambucano Lenine, que aconteceu em meio aos fogos que comemoravam os gols do Corinthians sobre o Boca Juniors, que em vez de destoarem, pareciam feitos sob encomenda para marcar o início da maior festa literária brasileira.
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