Clássicos da literatura situam com tanta frequência a deterioração da saúde do corpo e da mente no inverno que parece natural associar o frio a doenças e à depressão. Em “A Montanha Mágica”, o Hans Castorp de Thomas Mann vai visitar um primo no sanatório e acaba ficando para sempre a fim de tratar uma tuberculose.
Raskolnikov passa por surto moral após matar a vizinha numa gélida São Petersburgo no “Crime e Castigo” de Dostoiévski, e o menos conhecido John Gabriel Borkman, da peça de Ibsen que leva o nome do protagonista, termina uma maníaca ilusão de grandeza congelado na neve da Noruega.
Quando chove, neva ou está escuro, a vida acaba ficando limitada
Como é a vida em um país com pouco sol
Leia a matéria completaSão páginas que alimentam nosso imaginário do frio, a ditar que os povos que andam de trenó são mais cabisbaixos e até suicidas. Estudos mostram, porém, que é leviano associar a ausência de luz solar, por si só, à depressão – aliás, alguns escandinavos celebram o inverno, com suas luzinhas de janela, passeios na neve e, claro, bebidas quentes e doces.
“Artigos mais recentes mostram que a ausência de luz, isoladamente, não faz um quadro depressivo. E não é verdade que a Escandinávia tem os maiores índices de suicídio”, diz o psiquiatra Alexandre Leal Laux. Aliás, números mostram que países de todos os continentes aparecem entre os dez que mais têm suicídios – e o período “de pico” para esse tipo de morte no Hemisfério Norte ocorre na primavera.
Um estudo recente da Sociedade de Epidemiologia Psiquiátrica com estudantes noruegueses (que sofrem com um outono e inverno de pouca luz diária) e italianos (considerados na Europa como abençoados pelo sol) concluiu que a latitude, ou seja, a distância do Equador não está diretamente relacionada à maior incidência da SAD, a “depressão de outono e inverno”, ou, em termos científicos, “transtorno afetivo sazonal”, costumeiramente atribuída aos locais mais frios e escuros.
Acho que a escuridão tem uma relação muito tênue com essa depressão temporária [de inverno].
A relação seria mais complexa, dependendo de pré-disposição genética, do contexto sociocultural e do clima de maneira geral, não apenas da incidência de luz.
“Percebo que as pessoas [na Suécia, agora prestes a entrar no inverno] estão sempre reclamando, falando mole, desanimadas nessa época do ano”, admite a brasileira Madel Skåre, que vive na cidade sueca de Örebro. “Mas tem muita coisa que se pode fazer para criar um ambiente aconchegante, como acender velinhas ou assistir aos inúmeros concertos pela cidade. Acho que a escuridão tem uma relação muito tênue com essa depressão temporária.”
Química
Porém, algumas pessoas são mais vulneráveis à SAD, e aqui vai um alerta àqueles que costumam se acabrunhar no inverno: a previsão é de um verão nublado e chuvoso em Curitiba (é deprimente por si só saber que tivemos apenas quatro dias de sol contínuo em novembro).
El Niño
Segundo o meteorologista Fernando Mendes, o fenômeno climático El Niño traz a expectativa de um verão com mais umidade e nebulosidade para Curitiba – até março de 2016. Nada animador para quem vive na cidade.
A relação do sol com a química do cérebro passa pela produção e liberação do neurotransmissor serotonina e do hormônio melatonina. Com menos incidência de luz, esses compostos diminuem e fazem falta para as sinapses cerebrais – envolvidas no ciclo de sono e vigília, na concentração e no humor como um todo.
“É por esse motivo que trabalhadores que exercem suas atividades durante a noite apresentam uma tendência maior a desenvolver transtornos psiquiátricos, mas sempre levando em conta a vulnerabilidade genética de cada um”, aponta Laux. Outros sintomas da depressão relacionada à falta de luz seriam a sensação de cansaço e o ganho de peso.
Pesquisa recente de um grupo de cientistas holandeses alerta ainda que a falta de Vitamina D – ativada pelo sol – não apenas enfraquece os ossos, mas também pode estar ligada à produção de neurotransmissores relacionados ao humor, ou seja: sua falta pode contribuir para um quadro depressivo.
Mito
Lista da ONU com dados de 2012 coloca países de todos os continentes entre os 10 com os maiores índices de suicídio. A Suécia está em 58º, a Noruega em 81º e a Dinamarca, em 82º. O primeiro é a Guiana. Brasil é o 72º, empatado com o Irã.
O que fazer
Existem tratamentos que envolvem maior exposição à luz artificial, como “banhos de luz”. Uma empresa da Finlândia até criou um gadget, o Valkee, que parece um tocador de mp3 mas, no lugar de som, emite luz pelas orelhas para dentro do cérebro. A promessa seria promover bem-estar, inclusive diminuindo os malefícios das longas viagens de avião.
A eficácia não foi cientificamente comprovada, porém, restando apelar para os tradicionais remédios reguladores do humor e para uma boa terapia.
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