• Carregando...
Cecilia Roth estrela Tudo sobre Minha Mãe, no qual Almodóvar subverte e reinventa convenções do melodrama | Divulgação
Cecilia Roth estrela Tudo sobre Minha Mãe, no qual Almodóvar subverte e reinventa convenções do melodrama| Foto: Divulgação

Tipos

Conheça os personagens mais marcantes dos seis primeiros filmes de Almodóvar:

Luci e Bom

O casal lésbico sadomasoquista de Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (1980) protagoniza cenas que podem ser um pouco constrangedoras para o público mais conservador. Um exemplo é quando Bom (Olvido Gara) urina sobre Luci (Eva Siva), na presença de Pepi (Carmen Maura), durante uma aula de tricô. Apesar da paixão que as une, o filme lhes reserva um final desiludido, no qual Luci volta para o ex-marido (Félix Rotaeta) depois que este lhe dá uma surra em via pública.

Sexília e Riza

Ao trabalhar os caminhos e descaminhos do sexo, Almodóvar traz, em Labirinto de Paixões (1982), dois ninfomaníacos nos papéis principais, ela heterossexual e ele homossexual. Na Madri renascida após o fim do regime franquista, os dois se conhecem, apaixonam-se e imediatamente se curam do desejo sexual desenfreado. Por conta de alguns perseguidores, eles fogem juntos para a ilha de Tiran, pertencente ao Egito, para viver uma vida de casal. Com Cecilia Roth e Imanol Arias.

Madre Superiora

Interpretada magistralmente por Julieta Serrano em Maus Hábitos (1983), a responsável pelo convento é lésbica e fã da cantora Yolanda Bel (Cristina Sánchez Pascual). Depois que o namorado desta última se suicida, ela busca refúgio entre as freiras, a fim de evitar os policiais. A partir de então, torna-se alvo das investidas da Madre Superiora, que lhe oferece presentes, desde vestidos até drogas, na esperança de ter o próprio amor correspondido.

Miguel

Vivido por Miguel Ángel Herranz, é filho de Gloria (Carmen Maura), a protagonista de Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984). Apesar de criança, ele faz sexo com homens, a contragosto da mãe. Em uma briga acerca do assunto, o menino utiliza um dos argumentos mais conhecidos do feminismo, o de que é dono do próprio corpo e, portanto, faz dele o que bem entender. Mais tarde, por conta da crise financeira familiar, ele vai viver com um dentista pedófilo.

Diego e Maria

Ele, interpretado por Nacho Martinéz, é um ex-toureiro e ela, vivida por Assumpta Serna, é uma advogada criminalista em Matador (1986). Apesar das trajetórias profissionais diferentes, um hábito os une: como são apaixonados pelo ritual da tauromaquia, eles costumam matar os parceiros sexuais depois da transa. O filme, um dos menos lembrados de Almodóvar, termina com o último encontro sexual deles, no qual um mata o outro.

Pablo e Antonio

O romance explosivo da dupla, interpretada, respectivamente, por Eusebio Poncela e Antonio Banderas, é o cerne de A Lei do Desejo (1987), considerado por Almodóvar um dos melhores filmes da própria carreira. Com referências autobiográficas e artísticas, o longa-metragem mostra que, para um desejo irracional, a morte talvez seja a única solução. Entre os coadjuvantes, destaque para Tina, a transexual vivida por Carmen Maura.

Embora o mais recente longa-metragem de Pe­dro Almodóvar, Amantes Pas­sageiros, seja uma comédia rasgada, que marca um certo retorno do diretor a seus primeiros filmes, é impossível dissociar seu cinema de outro gênero, que mesmo em seus títulos mais engraçados se faz presente seja como referência estética ou na própria construção da trama: o melodrama.

Cinéfilo ávido e de gosto tão eclético quanto democrático, Almodóvar tem conexões com o cinema clássico norte-americano, sobretudo produções das décadas de 30, 40 e 50, mas também dialoga como os dramalhões mexicanos e argentinos, e até mesmo com a telenovela latina. Sem falar da literatura pulp, desbragadamente romântica, homenageada em A Flor do Meu Segredo (1995), em que Marisa Paredes, uma das atrizes-fetiche do cineasta espanhol, vive uma escritora de segundo time, cujas tramas mirabolantes, de contornos folhetinescos, se confundem com a própria vida da autora.

Feminino

O melodrama, por muito tempo, sempre foi menosprezado como um gênero popular demais, destinado ao público feminino que frequentava os cinemas à tarde, enquanto os maridos trabalhavam, para fugir da realidade, sonhar (e chorar) um pouco. Histórias dramáticas, caudalosas, marcadas por reviravoltas por vezes inverossímeis, sempre sob o compasso de trilhas sonoras feitas para emocionar (o tal melos, de melodrama), essas histórias não eram levadas a sério, salvo por suas fiéis espectadoras.

Até que os acadêmicos e pesquisadores de cinema nos anos 1960 e 1970, na esteira do movimento crítico iniciado pela revista francesa Cahiers du Cinéma, começaram a olhar para esses filmes de outra forma. Um diretor como Douglas Sirk, por exemplo, foi elevado da condição de artesão, pau mandado, a grande criador, e observador crítico da sociedade norte-americana de seu tempo, quando títulos como Tudo o Que o Céu Permite (1955), Palavras ao Vento (1957) e Imitação da Vida (1958) passaram a ser vistos com outros olhos.

Por baixo do excesso formal, das vastas emoções esparramadas pelas tramas arrebatadas, feitas sob encomenda para emocionar o grande público, havia contundentes comentários sobre a condição da mulher, o patriarcalismo, a distinção entre classes e o racismo, entre outras mazelas varridas para baixo dos tapetes das confortáveis cidades da classe média americana do pós-Segunda Guerra Mundial.

Tudo sobre Minha Mãe

Antes de Almodóvar, Reiner Werner Fassbinder, em filmes como O Casamento de Maria Braun (1978), já havia revisitado o melodrama de Sirk e de outros mestres hollywoodianos enquanto forma cinematográfica popular e acessível, para discutir temas muito sérios, ao exagerar nas cores dramáticas da trágica história da sua protagonista.

Em Tudo sobre Minha Mãe, filme que deu a Almodóvar o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2000, a premissa não poderia ser mais melodramática: o jovem Esteban (Eloy Azorín) quer descobrir, a todo custo, a identidade paterna, escondida pela mãe, Manoela (Cecilia Roth, outra habituée dos filmes do diretor). O rapaz acaba morrendo aos 17 anos, tentando pegar o autógrafo de uma atriz famosa, Huma Rojo (Marisa Paredes, de novo) sem saber quem é, afinal, seu pai – mais tarde vamos descobrir que ele é hoje um travesti soropositivo chamado Lola (Toni Canto).

Desesperado com a perda do filho, Manuela parte para Barcelona em busca de Lola e lá se torna, por força do acaso, assistente de Huma, a mulher que Esteban idolatrava.

Na trama de Tudo sobre Minha Mãe, tudo, como nos melhores (e piores) melodramas, parece submetido à mão inclemente do destino. As situações se encadeiam de forma aparentemente forçada, com a evidente intenção de emocionar, o que, no cinema de Almodóvar, sempre coloca as histórias que conta na fronteira do ridículo, do tragicômico: ele é capaz de fazer o público morrer de rir e se emocionar em questão de poucos minutos.

Há sob essa artificialidade formal, esse intuito de brincar com os caminhos narrativos e os sentimentos do espectador, uma impressionante autenticidade emocional. Como se o diretor quisesse dizer que, apesar de ridículas, as emoções não são menos, e talvez até mais, reais. E assim, no caso específico de Tudo sobre Minha Mãe, Almodóvar discute a maternidade, a dor da perda, a aceitação do outro, a possibilidade de recriar uma família a partir de paradigmas nada convencionais, alternativas, e a solidariedade entre as mulheres. Não é pouco. E faz uma obra-prima, uma entre tantas, que passam por esses mesmos caminhos. Genial­mente melodramáticos.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]