Rede tem ajudado a descentralizar o cinema
Apesar do cinema também usar os princípios do "faça você mesmo", sobretudo em filmes realizados pela união de esforços de diretores, como Estrada para Ythaca, do coletivo Alumbramento, do Ceará, o aliamento à indústria convencional ainda é fundamental, principalmente para a distribuição nos cinemas. Mesmo assim, a formação de grupos colaborativos (no Paraná, apesar de não ser denominado como coletivo, um exemplo é a Grafo Audiovisual, responsável pelo longa-metragem Circular) gera uma nova movimentação no meio.
"Há uma descentralização. É significativo pensar que hoje as melhores produções feitas no país estão no Ceará, Belo Horizonte e Porto Alegre", diz o editor de som e imagem, crítico e professor do Departamento de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF) Cezar Migliorin. Já o cineasta e diretor do Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS), Fernando Severo, crê que os coletivos são interessantes como fenômeno imediato, e estão ligados com a digitalização do cinema, mas tendem a não durar. "Normalmente, esses grupos se fracionam e cada um segue carreira individual para se destacar da medianidade."
Severo frisa que a internet pode causar uma sensação instantânea, mas não fundamenta a carreira de um cineasta. "Não adianta virar sensação da noite para o dia sem ter o domínio técnico necessário." Ele cita o exemplo de Esmir Filho, diretor do hit no YouTube Tapa na Pantera. Filho era aluno de graduação em Cinema e, depois do fenômeno, foi premiado no Festival do Rio em 2009 com o filme Os Famosos e os Duendes da Morte. "Mas ele tinha o conhecimento para seguir e consolidar a carreira."
Multiplicidade
Migliorin enfatiza que a ideia de ser independente não passa só por poucos recursos, mas diz respeito à uma nova dinâmica no capitalismo contemporâneo, com uma lógica transversal a todos os tamanhos de produção. Tanto as grandes produtoras de cinema quanto o vídeo caseiro utilizam os mesmos meios de divulgação.
O filme Tropa de Elite, por exemplo, virou um mega evento social, foi pirateado e não dependeu somente da distribuição tradicional para que o público tivesse acesso. "Fica evidente que essa dinâmica não fica presa a quem dispõe de pouco dinheiro", salienta o professor. (IR)
Dentro do contexto discutido sobre a nova dinâmica da indústria cultural, os entrevistados pela Gazeta do Povo são unânimes: o sucesso não depende apenas de compartilhar um vídeo no YouTube ou de publicar contos em um blog. Ainda não há como se desvincular totalmente dos meios clássicos. A professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR Kelly Prudencio, que orientou uma dissertação de mestrado sobre o fenômeno Mallu Magalhães, reitera que a parceria da cantora com uma grande empresa de telefonia celular (que ofereceu para toque de celular a música "J1") foi o que a fez, de fato, ficar conhecida, apesar de ter tido as músicas compartilhadas na rede via My Space.
"Muita gente já sabia que ela existia, mas não eram todos. A empresa viu a cantora na internet, mas ela deu o salto por conta da marca. Os artistas precisam de várias estratégias de marketing para que o trabalho ganhe dimensão, como o uso de várias redes de relacionamento, por exemplo", diz Kelly.
O efeito "bola de neve" também pode ser benéfico para os artistas, ou seja: determinado vídeo ou música é compartilhado milhares de vezes por internautas, o que faz o artista "bombar" na rede, virar foco da crítica e da imprensa e chamar a atenção da indústria tradicional. "Isso é alimentado tanto pelos fãs quanto pelos antifãs, que, com suas paródias e comentários, ajudam a alimentar o sucesso", frisa a professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e doutora em Antropologia Social Sandra Rubia.
Ela cita o exemplo da cantora Rebeca Black, que ficou famosa principalmente pelas gracinhas que os internautas fizeram com a canção "Friday". "É a mesma lógica que beneficiou Madonna nos anos 1980 e 1990, na era pré-internet, quando a artista figurava na mídia por conta de escândalos e polêmicas." O famoso "fale mal, mas fale de mim", portanto, continua valendo em tempos de web.
Dos blogs para as grandes editoras
Os escritores Joca Reiners Terron e Daniel Galera iniciaram suas carreiras, publicando e divulgando os textos sobretudo em blogs. Eles também lançaram romances pelo extinto selo Livros do Mal, criado por Galera, Daniel Pellizzari e Guilherme Pilla em 2001. Hoje, ambos são publicados por uma das maiores editoras do país, a Companhia das Letras.
"Quando comecei a escrever, a internet foi meu principal meio de publicação por alguns anos, entre 1996 e 2001, aproximadamente. Publiquei meus primeiros contos em sites pessoais, revistas on-line e fanzines como o Cardosonline", conta Galera, que também editou uma revista literária digital chamada Proa da Palavra. Hoje, porém, ele quase não publica mais na web. "A internet se firmou como um grande catalisador das relações entre autores, leitores e críticos, e não como um novo meio para publicação de literatura. A discussão literária da internet ainda se dá em torno de livros impressos."
Terron, que concorda que a rede serve mais para reunir os interessados em literatura, acredita que as grandes editoras ainda detêm o "selinho ISO 9000 de qualidade literária". "Mas isso não significa que publiquem apenas coisas excelentes, pelo contrário. No entanto, os responsáveis por arejar o cenário são as pequenas, além da internet." Mesmo com os meios facilitadores de divulgação, ele acredita que novos escritores estão todos no " mesmo barco furado, pois é preciso muita estrada para se obter reconhecimento".
O escritor e jornalista do blog de literatura Todo Prosa, Sérgio Rodrigues, acredita que publicações que pipocam na internet melhoram o cenário literário no país. "É muito melhor ser lido por cada vez mais pessoas do que na época em que escritores que não conseguiam publicar deixavam o trabalho guardado na gaveta.".
E-books
O anúncio no mês passado de que a empresa de comércio eletrônico norte-americana Amazon.com já vende mais livros eletrônicos do que impressos, mostra que há uma revolução a caminho no mercado de livros, mas deve demorar para virar febre no Brasil, diz Sérgio Rodrigues. "Aqui, isso ainda está distante. Só vai mudar quando todo leitor tiver as ferramentas eltrônicas e as editoras venderem os e-books a preços menores. E elas não estão com pressa para essa mudança."
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