Aos noventa anos, o pianista Henry Gray parecia “vazar luz” momentos antes de seu concerto no Hotel Camboa na noite da última sexta-feira (10) em Paranaguá.
No cenário sci-fi do amplo saguão do hotel, lembrava uma entidade religiosa vestindo um costume transpassado da cor da guacamole e uma feérica gravata de desenho setentista com seu nome gravado entre as teclas brancas e negras do piano .
De chapéu branco e andar cheio de groove que só quem joga a setenta anos na primeira divisão do blues pode ter, ele posou meio constrangido para dezenas de selfies, recebeu abraços e beijinhos sem ter fim.
Ao ver a sua figura cool e ladina tão longe do seu habitat, me veio à mente como a música é mesmo magia negra que faz um sujeito como ele atravessar o planeta para tocar para uma plateia improvável a música diabólica que sua mãe o proibia de executar nos anos 1930.
No pequeno palco, montado no salão contiguo à piscina do hotel, Gray se mostrou muito mais à vontade a bordo do piano elétrico Kurzweil.
Gray toca por instinto, no automático.
Com mãos longas e dedos bastos atacou escalas de blues ao piano como se tivesse brincando acompanhado do trio de argentinos e brasileiros da Jelly Rolls Band.
E foram quase duas horas de blues do melhor em andamentos lentos e rápidos, boogie e rock and roll que fizeram o público – muita gente da própria cidade, muitos que desceram a serra para ouvi-lo – desprezar as cadeiras e praticamente invadir o palco no final da sessão.
Com sua voz rouca e sotaque creole, inaugurou a rota Itiberê-Mississippi.
Foi uma espécie de renascimento do cool na terra do fandango.
Um concerto para a cidade histórica de Paranaguá colocar em seu currículo.
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