• Carregando...
Página no Facebook gerou informações sobre a doença e interação entre famílias. | Divulgação
Página no Facebook gerou informações sobre a doença e interação entre famílias.| Foto: Divulgação

Em 2008, o jornalista gaúcho Fernando Aguzzoli era um estudante de Ensino Médio. Sua preocupação se restringia em cumprir a jornada escolar e zarpar para a casa da avó Nilva. Neto e avó sempre foram amigos e confidentes. Foi naquele ano que ela começou a demonstrar sinais estranhos como cansaço, dores de cabeça e uma certa desorientação. Veio o diagnóstico da doença de Alzheimer.

Quando planejávamos uma supermanobra para deixá-la alegre, as pessoas diziam ‘ela nem vai lembrar depois’. Contra isso que lutamos desde o início. Ela ainda era uma pessoa e era a minha avó. Não era porque não lembraria no futuro que não poderíamos fazê-la feliz no presente

Trecho de “Quem, Eu?”.

Três anos depois, ele trancou a faculdade de filosofia, desistiu da empresa que tinha montado com uma amiga para se dedicar totalmente aos cuidados com a avó. Após passar por um luto precoce, resolveu: eles dois iriam se divertir à beça. Criou uma página no Facebook para narrar a convivência, ganharam milhares de fãs e de pessoas que mudaram suas percepções da doença por conta da história da dupla. A jornada – além dos diálogos e de fotos dele e de vó Nilva – estão reunidos no comovente e bem-humorado relato “Quem, Eu?”, lançado esse mês pela Paralela, selo da Companhia das Letras.

Divulgação

Colocar a história no papel foi ideia dos próprios seguidores da página “Vovó Nilva”, no Facebook, conta Fernando, que vem percorrendo o Brasil com o lançamento – o último aconteceu na segunda-feira (20) em Porto Alegre, sua cidade natal. “Nós éramos de duas gerações muito diferentes. Lançar um livro sobre uma pessoa que adorava literatura, mas nunca pode estudar, é uma baita homenagem. É um livro para misturar gerações”, diz o autor.

Livro

Quem, Eu?

Fernando Aguzzoli. Paralela, 224 pp. R$ 34,90 e R$ 16,90 (E-Book). Biografia.

A família realizou uma transição gradual até trazer Nilva para a casa da filha, do genro e do neto: primeiro, um apartamento mais próximo. Depois, um no mesmo prédio e, por fim, todos sob o mesmo teto. Tudo para preservar ao máximo, e até quando fosse possível, sua autonomia. Fernando resolveu driblar os aspectos negativos da convivência – como a agressividade do portador e o reconhecimento do próprio familiar – e fazer a avó se divertir ao máximo. “Usei o esquecimento ao nosso favor. Ela esqueceu as coisas ruins da vida dela, e pode viver a infância que não teve. Virei pai total. Ela me levou nessa aventura, e foi incrível”.

O relato do dia a dia no Facebook, e agora o livro, geraram retornos inimagináveis, conta Fernando. “Recebo mensagens de pessoas que retiraram a avó do asilo depois de ler livro, ou de pessoas que não viam a avó há anos, e voltaram a manter contato. Acho que minha avó está muito orgulhosa”. Nilva morreu em 2013. O neto descreveu os últimos dias de vida como um “grand finale sem dor e sofrimento”, em um hospital público especializado na doença.

Quando tomei a decisão de cuidar dessa senhora sem-vergonha, fui muito criticado! Amigos e familiares diziam que eu estava perdendo uma fase importante da vida e jamais a recuperaria. Pois bem, eu faria tudo de novo, e por mais tempo, se assim

fosse necessário

Trecho de “Quem, Eu?”

Roberto Carlos

Como cuidador, Fernando usou terapias que a comunidade médica brasileira desconfia, embora, comprovadamente, funcionam. Além da música (os dois ouviam Roberto Carlos adoidado), que, por ficar registrada em várias partes do cérebro, ajuda o portador a lembrar de fatos da vida, o neto testou a chamada Doll Therapy. Nilva tinha um cachorro de pelúcia, o Bóris. “Na Europa, existem muitos estudos falando do benefício, porque a pessoa entra numa responsabilidade positiva de cuidar do brinquedo, fazer carinho. Isso incentiva a coordenação, a memória. Aqui no Brasil, é interpretado como infantilização, mas estamos tentando desmistificar isso”, explica ele, membro de vários grupos de estudo sobre o mal de Alzheimer.

Para Fernando, que lançará ainda esse ano um site sobre o livro e um projeto social, o maior desafio é entender que não existe o momento crucial de buscar a cura para a doença, ao contrário de outras patologias.

“Na verdade, você é confrontado com uma realidade nova”.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]