O historiador Boris Fausto comentou na manhã desta sexta-feira (3) o processo de transformar a dor do luto em criação literária. Paulo Roberto Pires foi o mediador desta primeira mesa do dia na Flip.
Fausto publicou no final do ano passado o livro “O Brilho do Bronze” (Cosac Naify), no qual retrata a perda da mulher com quem foi casado por 49 anos.
A educadora Cynira Stocco Fausto morreu em junho de 2010, de câncer. Um mês depois, Fausto, decidiu dar início a um diário. Os textos escritos ao longo de quatro anos, quase todos tocantes, alguns surpreendentemente engraçados, ilustram a luta cotidiana, sem qualquer pretensão intelectual, de apenas sobreviver ao que de início parecia insuperável.
“Comecei escrevendo para mim mesmo. Tinha muito tempo livre, as manhãs eram um vazio, um terror. Um dia mandei para a minha analista e ela disse que eu deveria continuar. Depois sugeri que a Marta Garcia, que editou vários de meus livros na Companhia das Letras, também lesse. Ela estava na época na Cosac Naify e praticamente patrocinou o encontro com a editora.”
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Leia a matéria completa“Então a partir de um ponto eu comecei a escrever já sabendo que teria um público leitor, o que me fez mudar um pouco o registro. Não quis escrever um relato edificante, mas não queria ferir algumas pessoas desnecessariamente, então cortei algumas coisas.”
Algumas das melhores páginas do livro descrevem o embate entre a fé e o ceticismo num momento de perda.
Hoje, também em parte graças ao livro, Fausto conseguiu dar continuidade à vida, inclusive a sentimental.
“Eu tentei me abrir para novas histórias. Saí de uma vida muto insulada para uma vida mais aberta. Eu encontrei uma solução, uma continuidade amorosa, mas tudo isso conciliado com uma grande dor. Não tinha vontade de romper a solidão a qualquer preço não.”
“E nunca tive um sentimento de culpa”, completou. “Eu consegui encaixar a memória da Cynira num lugar tranquilo, melancólico, com minha abertura para a vida, para o amor. Acho que foi aí que o luto se encerrou. Hoje sou capaz de falar de Cynira sem chorar.”
Na conversa, Fausto falou do processo de pesquisa e escrita de seus principais livros, como “A Revolução de 1930 - Historiografia e História” e “O Crime do Restaurante Chinês”, e do sucesso recente dos livros sobre a história do Brasil.
“O que há de novo é o interesse maior por história e a presença dos historiadores jornalistas. Eles não fazem livros interpretativos, mas contribuíram muito para se fazer uma boa história. Uma história muito bem narrada, com seleção de episódios relevantes. Eu penso no Elio Gaspari, no Lira Neto. Acho que tiveram muita importância. Outros eu não li, como o Laurentino Gomes, que acho que tem um nível mais anedótico.”
A parte final do encontro foi dedicada a temas mais políticos, como as manifestações de 2013 e a crise do país.
“Ao otimismo do período das manifestações surgiu uma decepção muito grande”, afirmou.
“A partir da entrada do PT no governo houve momentos de razoável equilíbrio financeiro combinados com a possibilidade de realizar um equilíbrio social. Mas a partir do segundo governo Lula houve uma política econômica inadequada, ideológica, que levou a esse quadro. Levou à cúpula do partido uma cúpula de corruptos, um sistema mafioso gigante”, afirmou, com fortes aplausos do público.
Perguntado pelo mediador sobre a oposição, ele disparou, também ao som dos aplausos: “Vai mal, obrigado”.
“A oposição não tem conseguido ser oposição, não tem coragem de ser oposição. Não tem coragem de dizer que é contra a corrupção que se instalou, que é um partido de classe média. Falta coerência. Uma alternativa seria muito importante nesta situação, mas infelizmente não temos.”
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