O poeta Stéphane Mallarmé (1842–1898), numa carta para o escritor Villiers de L’Isle Adam, disse que tinha um plano para sua obra: “gerar impressões as mais estranhas, claro, mas sem que o leitor esqueça, por elas, por nem um minuto, o prazer que lhe concederá a beleza do poema”. Isso, em 31 de dezembro de 1865.
A carta é citada pela pesquisadora Sandra M. Stroparo no livro “Poéticas do Estranhamento”, uma antologia de ensaios sobre literatura publicada agora pela Arte e Letra, com organização de Myriam Ávila e Sandra.
Meio século mais tarde, a crítica entendeu o que Mallarmé sabia e, nas primeiras décadas do século 20, os formalistas russos se interessaram em analisar o que Viktor Chklóvsky chamou de ostranênie – o estranhamento ou desfamiliarização, conceitos definidores da linguagem literária.
“O faz de um texto um texto literário?”, diz Sandra, por e-mail. “O século 20 borrou e alargou limites, e tanto a teoria quanto a crítica não estão mais interessadas em categorizações radicais, o que faz com que o conceito se expanda, e tanto, que ele acabou alcançando outras possibilidades, incluindo todas as variedades abraçadas, ainda que às vezes polemicamente, pela literatura.”
Myriam Ávila e Sandra M. Stroparo (org.). Arte e Letra, 320 pp., R$ 45.
Lançamento no sábado (22), às 16 horas. Livraria Arte e Letra (Al. Presidente Taunay, 130 – Batel), (41) 3223-5302.
Uma das questões do livro é a capacidade que a literatura tem de misturar diversos discursos. E ela usa, por exemplo, formas híbridas – que aliam ficção à biografia, ao jornalismo etc. – com o objetivo de chegar a algo novo. “No que tange à poesia, se isso começou mais radicalmente no século 19 (com Baudelaire, Mallarmé), continua ainda, até como forma de sobrevivência da própria poesia. Na prosa (podemos ainda falar facilmente dessas diferenças? Talvez sim, talvez mais que nunca), no entanto, o romance é a forma mais “absorvente” de todas, suportando as alterações, as mudanças, os acréscimos, as diferenças e se mantendo como tal, como romance”, diz Sandra. “Essa resiliência do gênero é maravilhosa e é a melhor identidade literária da nossa época.”
Um dos trabalhos da crítica é então refletir e buscar compreender as possibilidades todas da literatura.
Os autores
“Poéticas do Estranhamento” reúne textos de Ana Helena Souza, Aurora Fornoni Bernardini, Caetano W. Galindo, Dirce Waltrick do Amarante, Donaldo Schüler, Doug Rice, Emílio Maciel, Helena Martins, Jucimara Tarricone, Myriam Ávila, Pedro Dolabela Chagas e Sandra M. Stroparo. Myriam e Sandra são as organizadoras.
GIPE
O livro publicado agora marca os 11 anos do Grupo de Pesquisa Interinstitucional Poéticas do Estranhamento (GIPE), formado por pesquisadores, tradutores e professores de universidades do Brasil – como as federais do Paraná e de Minas Gerais – e dos EUA.
Na introdução, os profissionais do GIPE são apresentados como “amantes do offstream em todas as suas manifestações”. “Para um crítico, um professor, manter-se atento à produção marginal é sempre uma forma de pensar seu próprio momento e as possibilidades ‘estranhas’ e novas que a literatura tem a oferecer”, diz Sandra.
“Poéticas do Estranhamento” reúne 13 exemplos de como refletir sobre essa literatura e não se limita a leitores especializados, podendo ser lido e compreendido também pelo leitor comum.
Para ficar em dois exemplos: o professor e tradutor Caetano W. Galindo, colunista da Gazeta do Povo, escreve sobre a obra do americano David Foster Wallace, autor de “Graça Infinita”; e a também tradutora Ana Helena Souza fala sobre o irlandês Samuel Beckett, o Nobel de Literatura de 1969.
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