“Quando lemos aventuras, são histórias de heróis”, avalia Donald, protagonista do romance “No Mar”. “Mas agora que eu mesmo vim parar numa aventura, ela não tem nada de romântico.”
Se a realidade não tem nenhum romantismo, o olhar sonhador de Donald trata de fabricá-lo. Ele está a bordo do veleiro Ishmael, que recebeu o nome do personagem de “Moby Dick”. Está, diz, em um período sabático, afastado do escritório onde não é valorizado. Parece aliviado por escapar de um trabalho que exige ações automáticas, repetitivas e vazias.
Viver em terra firme pressupõe, para Donald, aderir ao mundo corporativo – algo que ele rejeita. Para o protagonista, o conceito de sobrevivência levado às últimas consequências é o que garante alguma emoção. Assim, parte para uma temporada no mar. Um de seus objetivos é mostrar à filha, Maria, que a existência acomoda diferentes escolhas.
Toine Heijmans. Tradução de Mariângela Guimarães. Cosac Naify, 160 pp., R$ 32,90.
Donald passa três meses velejando pelo Mar do Norte. O livro, porém, se ocupa somente da etapa final da jornada, na qual Donald ganha a companhia de Maria no Ishmael. A estimativa é que a travessia entre Thyborøn, na Dinamarca, e Harlingen, na Holanda, dure 48 horas.
Donald quer ser o herói de sua aventura. Quer ser um herói aos olhos da filha. Parece, a despeito da pequena distância que deve percorrer para voltar para casa, cada vez mais próximo de fracassar. Se falhar, está condenado a ver a si mesmo como um sujeito medíocre.
Desde as primeiras páginas é possível notar que algo vai mal. Ao checar a cabine onde a filha dorme, Donald não a encontra.
A partir daí, o leitor passa a procurar sinais do que pode ter acontecido. Com a narração hábil do escritor holandês Toine Heijmans, ações ou pensamentos simples ganham contornos sinistros.
O nome do protagonista foi inspirado em Donald Crowhurst, navegador inexperiente conhecido por uma travessia malsucedida empreendida em 1969. Crowhurst, que ficou completamente louco, acabou morrendo.
Mesmo privilegiando a construção de um personagem interessante, o autor não descuida das descrições de uma aventura com bons momentos de tensão.
Livro de estreia do jornalista holandês Toine Heijmans, “No Mar” descreve a curta trajetória de um homem que, ao tentar escapar da falta de sentindo do mundo domesticado, descobre a mesma falta de sentido na indiferença brutal do mar que o cerca. Como Crowhurst.
Donald, a despeito do que ele mesmo acredita, é um perfeito anti-herói romântico. Resta saber se o sofrimento que resulta de suas escolhas extremas é preferível à apatia.
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