Prólogo: mistura de reportagem e ficção, Kaputt foi escrito secretamente por Curzio Malaparte (1898-1957), quando o jornalista e diplomata italiano cobria a Segunda Guerra Mundial como enviado do jornal Corriere della Sera. Malparte – cujo nome verdadeiro era Kurt Erich Suckert – relatou jantares, conversas e miudezas cotidianas com os nazistas. O livro com seis contos, retrato devastador do período, tornou-se um best-seller na Itália.
O brasileiro Eloar Guazzelli Filho, ilustrador e quadrinista, sempre quis adaptar a obra. A releitura que propõe é avassaladora, triste e ao mesmo tempo lírica. Em traços grossos (grotescos) e em tons soturnos, a HQ revela os resultados práticos do fanatismo ideológico, do racismo, dos valores distorcidos e mascarados e, no limite, o ódio à vida, em seus aspectos mais viscerais e vergonhosos. Nada que não tenha sido tratado em filmes, livros e documentários sobre o tema, mas, neste caso, a proximidade meio familiar com os alemães e o quase entendimento de suas ações fazem de Kaputt um livro também essencial para a compreensão do nazismo.
Algumas cenas são memoráveis. Por exemplo, quando cabeças de cavalos que morreram congelados ao tentar atravessar um rio começam a putrificar e a exalar um cheiro forte. Aí um soldado fala para outro: “Morre tudo que a Europa possui de nobre, de amável, de puro. Morre a nossa pátria, a nossa antiga pátria”.
Outra: o momento em que uma pilha de corpos de judeus mortos – retratados de forma minimalista, quase como pequenas reproduções de O Grito, de Edvard Munch – caem dos trens sobre os soldados alemães, que os afastam com os pés como se fossem sacos de batata.
Nesse sentido visceral, Kaputt em quadrinhos se aproxima de obras clássicas sobre nazismo, como É Isto um Homem, de Primo Levi. Porque dá um peso humanista a algo catastrófico, e torna-se belo apesar da premissa. Editado pela Martins Fontes, o livro tem 184 páginas, formato 21 cm x 28 cm e custa R$ 59.
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