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Numa época em que a literatura se aventura por novas linguagens, mais ágeis, sucintas e desordenadas, é gratificante ler o texto do espanhol Javier Marías. É literatura ao estilo clássico, de frases longas e expressões rebuscadas, que o autor escreve como se estivesse saboreando cada palavra entregue ao leitor. Seu último romance, “Assim Começa o Mal”, frequentou as listas de melhores do ano na Espanha em 2014 e agora chega ao Brasil.

São mais de 500 páginas de uma narrativa em slow motion, que inicialmente se concentra em torno de um mistério: o que alguém seria capaz de fazer, tão vil a ponto de um amigo lançar dúvidas sobre seu caráter? Mas esse é apenas o ponto de partida da obra, que à medida que lança luz sobre seus personagens, constrói quase um tratado sobre a índole humana.

O cenário é a Espanha do início da década de 1980, logo após o fim da ditadura de Franco. Juan de Vere é um jovem que trabalha como assistente do renomado cineasta Eduardo Muriel, servindo também como confidente. Um dia, Muriel se diz intrigado com histórias que correm sobre um amigo, que teria feito algo terrível. Não se trata de crime, traição ou desonra. Caberá a Juan descobrir quem é e o que fez o “amigo”.

A frase que dá nome ao livro faz alusão a um verso de William Shakespeare em “Hamlet”, o qual diz que “assim que começa o mal, o pior fica para trás”. Apesar de isso não ser exatamente um spoiler, diz muito sobre a descoberta de Juan e todo o entorno. Mas não espere que tudo vá sendo revelado de bandeja. Como dito antes, a escrita de Javier Marías demanda paciência. Até porque o espanhol consegue nos seduzir de tal forma que, ao mesmo tempo que queremos avançar na história, não nos deixamos acelerar para não perder a riqueza de cada parágrafo.

“Assim Começa o Mal”

Javier Marías. Companhia das Letras, 512 pp., R$ 49,90. Romance.

Logo o acontecimento misterioso se torna menos importante diante da complexidade de cada personagem. E a narrativa só cresce. À investigação do impetuoso Juan se soma o conturbado relacionamento entre Muriel e a mulher Beatriz, talvez a personagem mais importante de “Assim Começa o Mal”. Bem, creio que já me estendi demais na história.

Culpa, rancor, perdão, amor, sexo, arrependimento... são tantas as questões abraçadas por Javier Marías que parece humanamente impossível compor uma narrativa sem perder o fio da meada. Mas o espanhol consegue, e de maneira espantosa. Pode até ser que em alguns momentos os longos solilóquios do protagonista causem algum cansaço. No entanto, é um preço pequeno a se pagar diante da grandiosidade de sua obra.

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