“Prometeu Acorrentado”, obra do pintor flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640).| Foto: Wikimedia Commons

O escritor Philip Roth disse que leitores de poesia são hoje como membros de uma seita secreta – uns poucos compartilhando valores que a maioria ignora. Para o tradutor e poeta curitibano Adriano Scandolara, a comparação faz algum sentido. “Mas não é nem de longe um ambiente tão unido quanto o termo seita sugere”, diz.

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O que aprendi com Shelley

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Leitor contumaz de poesia, Scandolara passou anos trabalhando na tradução dos versos de Percy Shelley (1792-1822), homem mais conhecido por ser o marido de Mary Shelley, a autora de “Frankenstein”. Mas Shelley, o Percy, é um dos poetas ingleses mais importantes da literatura e um nome grande do gênero no século 19.

As fontes se unem com o rio,/ e esses rios ao Mar caminham,/ os ventos pelos Céus, com brio,/ uns nos outros se aninham;/ nada está no mundo a sós;/ num só espírito, dita o Céu,/ tudo encontra a foz./ Por que não eu e o teu?// Os montes beijam nuvens sem chão,/ e cingem-se as ondas também; condena-se a flor-irmã que, do irmão,/ vier a ter desdém;/ e o raio de sol cinge o vale,/ e o luar vem beijar os mares:/ de que tudo então me vale/ se não me beijares?

“Filosofia do Amor”, de Percy Shelley (tradução de Adriano Scandolara).

“Prometeu Desacorrentado e Outros Poemas”, resultado de seis anos de trabalho, ganhou uma bela edição bilíngue pela editora Autêntica, dentro da coleção Clássica.

O volume traz notas e uma introdução de 50 páginas, feita pelo tradutor, contando os bastidores do trabalho e explicando a importância de Shelley (leia texto de Scandolara nesta página).

Fazendo jus ao ideal romântico, Shelley teve uma vida curta, morreu aos 29 anos no naufrágio de seu barco Ariel. No pouco tempo que teve, criou uma obra intensa e se envolveu em todo tipo de briga: foi anarquista, ateu e vegetariano. Se vivesse nos dias de hoje, corria o risco de ser perseguido. No século 19, até quem lia o que ele escrevia acabava preso.

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Por que alguém lê poesia?

Entrevista com Adriano Scandolara, poeta e tradutor

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Há quem coloque Shelley lado a lado com Rimbaud (que nasceria em 1854) no quesito transgressão, outro tema caro para a poesia, embora os dois sejam transgressores de maneiras diferentes – Rimbaud contra o mundo e Shelley contra a sociedade inglesa do começo do século 19.

“Prometeu Desacorrentado e Outros Poemas”

Percy Shelley. Tradução, notas e apresentação de Adriano Scandolara. Autêntica, 416 pp., R$ 59.

Para Scandolara, é possível perceber três facetas distintas na poesia de Shelley: uma mais política (com versos virulentos), uma egótica (que tema ver com o lugar-comum do romântico) e uma mitopoética (por trabalhar com criação de mitos). “Eles [os mitos] fornecem uma base para a realidade que dramatiza o lugar do humano no mundo natural”, explica o tradutor.

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“Parece complicado descrevendo assim”, ele continua, “mas é simples; só olhar o final de um poema como ‘Ode ao Céu’ para entender do que se trata: ‘Que é o Céu? um globo de orvalho,/ pela aurora a estilar do galho/ no olho de uma jovem flor/ entre esferas impretensas:/ intactas nuvens de fulgor,/ dobram-se órbitas imensas,/ neste orbe a sucumbir,/ co’outros milhões irão se unir,/ vibrar, faiscar e então sumir’.”

O trabalho de Shelley foi quase ignorado no século 20 e mesmo os leitores anglófonos não se importavam com ele. A dificuldade de encontrar traduções dele no Brasil tem a ver com essa herança. Ou tinha. Agora não mais.