Para Paulo Venturelli, a literatura é uma ferramenta de afiar a inteligência. E é uma forma de se compreender e de entender os outros. Autor de obras para adultos e para crianças, o catarinense radicado em Curitiba há quatro décadas recebeu vários prêmios por Visita à Baleia, incluindo o de melhor livro para criança, dado pela Fundação Nacional do livro Infantil e Juvenil. “Não escrevo ‘papinha literária’”, diz o escritor, em entrevista à Gazeta do Povo. Neste sábado (16), na Livraria Cultura , ele lança Pê e o Vasto Mundo, com ilustrações da iraniana Fereshteh Najafi. À reportagem, Venturelli fala sobre o livro novo e sobre o dia incrível em que um menino de 11 anos chorou muito por conhecer o homem que havia escrito “o melhor livro do mundo”.
O livro é dedicado a um menino de 11 anos. Você poderia contar a história que inspirou essa dedicatória?
Foi o seguinte: eu estava na Festa Literária do colégio Medianeira [FLIM] para uma conversa com os alunos e resolvi dar uma olhada na feira de livros. De repente, um menino, moreninho, miúdo, muito lindo me abordou. Ele perguntou se eu era o Paulo Venturelli. Diante da confirmação, pediu que eu autografasse o Visita à Baleia. E sumiu. Tempinho depois, voltou: “Paulo Venturelli, se eu te convidar pra almoçar comigo, você topa?”. Topei e lá fomos nós para o restaurante. Ele todo cheio de cuidados comigo, como se eu nunca tivesse usado um bandejão na vida. Convidou uns amigos para a mesa. Ele tremia de nervosismo. Durante a refeição, ele percebeu uma gafe: estava usando a faca pelo cabo e justificou pelo fato de estar nervoso. Perguntei por quê. Ele respondeu: “Por que estou com você que é escritor”. Tentei acalmá-lo, mostrando que escritor é uma pessoa comum, sem nada demais. “É, mas eu adorei o Visita à Baleia, que é o melhor livro do mundo.” E sem mais, nem menos, seus lábios começaram a tremer e ele caiu num choro convulso. Procurei acalmá-lo. Mas não havia jeito. Entre soluços ele dizia: “ Hoje é o dia mais importante da minha vida, porque conheci um escritor.” Foi mais ou menos isso. Sua reação à minha presença me pegou e fiquei imaginando o que é um escritor para um Pitico daqueles. Em sua homenagem, lhe dediquei o livro.
Sei que um bom escritor sempre “está” no livro de alguma forma. Dito isso, tive a impressão de que Pê e o Vasto Mundo é bastante pessoal, como se você estivesse falando da criança que você foi. Isso faz sentido?
Não muito. O menino do livro é feliz, é amado, tem autonomia para as suas descobertas. Minha infância não foi assim. Fui um menino pobre, mal-amado, maltratado de tudo quanto é forma. Meus pais eram operários grosseiros, sem instrução alguma e descarregavam suas neuroses e tensões em mim. Era surra para todo lado. Normalmente meus personagens são meninos e neles incorporo a infância que gostaria de ter tido. Deve ser a tal sublimação de Freud. Neles vivo o que não pude viver.
Paulo Venturelli com ilustrações de Fereshteh Najafi. Editora Positivo, 64 pp., R$ 32,20. O lançamento do livro será neste sábado (16), às 16h, na Livraria Cultura (Shopping Curitiba – R. Brigadeiro Franco, 2.300, Piso 3), (41) 3941-0292.
Algumas referências literárias permeiam o livro: há uma citação ao Borges e o menino, no fim, vira um rio (como Anna Livia Plurabelle em Finnegans Wake, de James Joyce). Quando você escreve para crianças, existem alguns limites do que dá ou não dá para entrar no livro? Ou é possível falar sobre tudo com uma criança?
Nenhum limite. Quando lancei Visita à Baleia, uma jornalista da Gazeta escreveu que um adulto pode tirar muito mais proveito dos meus livros do que uma criança. Não sei se é isto. Meus textos são densos, complexos e sempre cheios de referências, diálogos com outras linguagens. Não escrevo “papinha literária”. Creio que a criança deve ser exposta desde cedo à complexidade literária. Se não for assim sua inteligência não se cria, não se desenvolve. Não acredito que estes livretos com uma frase por página e muito ilustração crie leitor. A criança não é boba. Ela se cansa e vai fazer outra coisa. Por isso elas adoram computador, celular, videogame. Aí encontram desafios que as levam para um patamar superior. Se quisermos criar leitores, precisamos de livros que desafiem a criança, que a levem a pensar, que desabrochem nelas um laço existencial ao qual se prendam e sejam provocadas. Sem isso, necas de leitura.
As ilustrações de Fereshteh Najafi são lindas de doer. E parece haver nelas uma pontinha de melancolia. Como alguém que se lembra das pequenas coisas da infância. Você poderia falar um pouco sobre as ilustrações, como reagiu a elas e como elas funcionam com o texto?
No começo, não gostei. Achei tudo muito poluído. Excesso de informação que empalidecia o texto. Com o tempo fui entendendo a proposta da iraniana. E vi que ela tinha criado um outro livro a partir do meu. Essa é a função da ilustração. Não repetir o texto, mas dar a leitura do artista. Então passei a observar os detalhes e mergulhei no mundo de Fereshteh. Absorvi a delicadeza de seus traços, alguma coisa de um outro mundo estava ali. Entendi que ela rebuscava sua própria infância para aqueles desenhos. E passei a gostar. Você tem razão: há uma melancolia, até uma desolação naquelas cenas cheias de pássaros, flores e folhas. Talvez alguns signos da experiência dela com o próprio país de que vem. De toda forma, são dois livros. O meu e o dela, e ambos acabam interagindo numa obra muito especial.
E essa é uma curiosidade minha: por que a história de Pê tem avós, mas não tem pais?
Boa percepção sua. Nunca tinha pensado nisso. Deve ser aquele clássico: os pais são repressores, controladores, “educadores”. O avô é o espaço aberto, o espaço azul. Se é verdade que a terceira idade é uma volta à infância, então são duas crianças que se encontram: o velho e o menino. Por isso se dão bem, por isso estão dispostos às descobertas, por isso a relação entre eles funciona sem nenhum empecilho. O avô conduz o neto e é conduzido por ele. Ninguém tem compromisso com nada, simplesmente se entregam ao exercício de viver e o nome disso é felicidade.
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