A fotografia é uma tentativa de perenizar um momento. De não esquecermos. Mas, com o tempo, a tendência é que a fotografia seja esquecida, jogada em uma pasta em que ninguém mais vê. Uma das histórias contadas por Patrick Modiano começa assim: com um fotógrafo da agência Magnum, em Paris, que colocou uma infinidade de fotos feitas ao longo do tempo em três malas. Perdidas as fotos, perdida a memória.
Nesse ponto, aparece o narrador. É dele o segundo esforço para não deixar que o passado se apague. Jovem, ele conhece o fotógrafo e se oferece para, pacientemente, fazer um catálogo de todas as imagens, registrando onde e quando elas forem feitas. Quando termina, o fotógrafo vai embora, carregando as pastas – resta apenas sua descrição. O livro é escrito três décadas depois, com o narrador registrando as memórias daquele período e daquelas imagens, que ninguém mais sabe onde foram parar. Ou seja: o romance, Primavera de Cão, é mais um esforço de recuperação de algo que fica cada vez mais distante, cada vez menos tangível.
Patrick Modiano. Tradução de Maria de Fatima Oliva de Coutto. Record, 112 pp. R$ 25.
A ficção de Patrick Modiano é toda feita desse esforço de não deixar que o passado seja subestimado, que nos abandone. Não se trata de nostalgia, propriamente. Mas os livros obsessivamente falam de tentar compreender algo que aconteceu antes, lembrando o quanto isso pode ter influenciado o que vivemos hoje, o que somos agora. Mas essa busca nunca é fácil: o passado é sempre esgarçado, sempre tênue, sempre incerto, sempre precisa ser reconstituído a partir de fragmentos que não são confiáveis.
Patrick Modiano. Tradução de Maria de Fatima Oliva de Coutto. Record, 128 pp. R$ 25.
Quando Modiano foi anunciado como vencedor do Nobel de Literatura de 2014, a primeira leva de livros dele a sair no Brasil veio pela Rocco. Um deles, Uma Rua de Roma, traz a metáfora perfeita para essa busca: um sujeito, desmemoriado, banca o detetive e tenta reconstruir a própria história falando com pessoas que (possivelmente) o conheceram em outros tempos. Claro, o resultado é sempre imperfeito, inconclusivo.
Agora, a Record lançou mais três títulos de Modiano no Brasil. Primavera de cão, Flores da ruína e Remissão de pena foram todos escritos mais ou menos na mesma época, entre o final dos anos 1980 e começo dos 90. E, embora não fossem originalmente parte de uma coleção, têm sido lançados como um pacote também em outros países – como aconteceu nos Estados Unidos. Talvez porque neles haja sempre esse mesmo clima de uma busca desiludida, mas importante, de quem somos.
Patrick Modiano. Tradução de Maria de Fatima Oliva de Coutto. Record, 144 pp. R$ 25.
O tom muda. É mais fragmentário no estranho Flores da ruína, em que uma história de um antigo homicídio (ocorrido antes de o autor nascer) se mistura à busca por saber quem é um personagem de passado desconhecido. É mais nostálgico em Remissão de Pena, que conta como dois irmãos se criam em uma casa de artistas de circo. É mais poético em Primavera de cão, que tem algo de esperançoso na descrição de um adolescente e seu ímpeto em não deixar que a memória desapareça.
Para Modiano, parece que a ideia de um passado que nos pertença inteiramente é impossível . Ele sempre nos escapa. Mas viver sem ele, sem saber de onde viemos, é ainda mais impossível. Resta tentar lembrar, por mais difícil que isso seja.
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