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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Dia 22 de julho de 2011, após explodir um carro no Regjeringskvartalet, a região de edifícios do governo norueguês, e provocar a morte de oito pessoas, Anders Behring Breivik foi a Utøya para atirar e colocar fim à vida de outras 69. Com o corpo e a mente cheios de remédios e ideias, teve dificuldades em explicar aos policiais suas razões para o massacre. Vestido em um uniforme de policial, disse, primeiro, que presenciava a invasão da Europa pelos islâmicos – na ilha de Utøya estava a juventude do Arbeiderpartiet, o Partido Trabalhista. Afirmou também que a Noruega estava em guerra, uma guerra contra o esmorecimento dos valores tradicionais – Breivik era um conservador.

Foi lendo a revista “Piauí” do mês de agosto que me vi pensando, após concluir o texto da página 56, “Um de nós”, assinado por Karl Ove Knausgård (cujo trabalho literário praticamente desconheço), sobre a verdadeira razão para esse tipo de massacre. Em meio a dezenas de informações sobre o assassino de Utøya, Knausgård menciona o caráter narcísico da mãe de Breivik, reproduzido pelo próprio (no interrogatório do homem, dizem que, apenas de cuecas, ele contraía os músculos enquanto era fotografado e exigia que os policiais o fotografassem mais e mais vezes). De certa forma, ele conseguiu o que desejava: ser visto, fotografado, conhecido por todos não apenas em seu país, mas em qualquer canto do mundo em que coubesse uma televisão. Breivik, no fundo, pedia por socorro de sua condição.

Enquanto nos deparamos de forma invariavelmente arbitrária com situações como essas, de uma solidão tão extrema e patológica quanto nos é imaginável, penso em quantas crianças estão sujeitas a um desenvolvimento similar, em inúmeras condições, ao de Anders Breivik: um pai ausente e uma mãe indiferente. Ou poderia ser ao contrário. Breivik, como sua mãe, sofreu com violência de todos os tipos. Cresceu isolado, à margem das crianças médias. Alienado, propôs a si mesmo uma guerra, totalmente imaginária, na qual o único soldado era ele mesmo – os inimigos eram muitos. Desde a explosão em meio a edifícios governamentais até o tiroteio em Utøya, Breivik vivia no mundo concreto a sua imaginação: seu desejo ilusório de salvar a Europa, para ele, estava sendo satisfeito.

Não tenho conhecimento profundo de psicologia, muito menos de psiquiatria, mas não preciso – nenhum de nós precisa – ir longe para saber do perigo que é imergir na própria imaginação: nossa consciência é um poço sem fim, um labirinto na vertical em que, quanto mais se perde, mais se cai. E vice­versa. Esse mergulho no próprio desespero é muitas vezes involuntário, claro, na maioria delas, assim como a solidão que, indiscutivelmente, o proporciona.

Contudo, também acredito, e não tenho a menor dúvida disso, que é fundamentalmente necessário certo distanciamento desse cotidiano frenético que nos é imposto desde o primeiro dia de vida. Também digo, sem hesitar, que mergulhar em si mesmo, conhecer cada milímetro do próprio desespero, desenhar o mapa mais preciso das angústias mais secretas, é essencial. Mas é preciso saber voltar.

Breivik atingiu um ponto de solidão que o fez acreditar ser o último ser sensato em uma guerra , enxergando invasões islâmicas e a dissolução dos seus prezados valores tradicionais. Perdeu­-se na própria imaginação.

O interessante é pensar que determinada solidão (e aqui me refiro a uma solidão diferente daquela que foi imposta a Breivik, alguém com claras disposições patológicas – aqui me refiro à reclusão por opção, certo distanciamento primordial ao desejo de ouvir a própria voz, tecer os próprios pensamentos) pode levar ao caminho inverso: pensar em silêncio, longe de qualquer afobação intelectual, de qualquer direcionamento político dado às informações distribuídas pelo planeta, é possível atingir uma clareza, uma lucidez invejável perante os acontecimentos contemporâneos. É possível, quem sabe, compreender as mudanças pelas quais o mundo passa, naturais, necessárias, como um espectador privilegiado – intelectualmente privilegiado.

Tudo isso serve para afirmar que a velocidade dos acontecimentos ao redor do planeta tende a aumentar a cada dia, e precisamos processá-­los a fim de compreendê-­los. É a única forma de não cairmos numa solidão desesperadora, de não cairmos em angústias ácidas. A única solidão permitida deveria ser a criativa, aquela com fins intelectuais. Mas não é assim que a Terra gira. Por aqui, há gente demais nos escanteios.

E a solidão é cruel, é destrutiva.

Cada um de nós acabará afogado no próprio desespero, em seu próprio desolamento. Breivik precisou de 77 vidas para tentar e falhar em acabar com a solidão. Tomemos cuidado: devemos, sim, manter nossos desejos próximos, nossas ambições, secretas.

Não somos assassinos – apenas, angustiados. E sem saber para onde correr.

Giovani Kurz nasceu e vive em Curitiba (1997). Estudante de Letras na UFPR, administra o Coletivo Sala 29 desde 2012. Em 2014, estreou na poesia com “Nascente Periférico” (Substânsia). Em 2015, fez parte da antologia de melhores textos do jornal “RelevO”.
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