A frase mais citada de Cartas a um Jovem Cientista aparece logo no início do livro, quando Edward O. Wilson explica o propósito do que está escrevendo. Falando aos candidatos a cientista ele diz pretender estimulá-los a permanecer no caminho que escolheram e a ir longe nele. “O mundo precisa de você – muito”, afirma Wilson. E em seguida vem uma breve explicação sobre essa necessidade de cérebros.
Wilson diz que o conhecimento científico da humanidade duplica hoje a cada 15 ou 20 anos. Mesmo assim, estamos apenas no começo da caminhada para tentar conhecer o nosso planeta – seja em termos biológicos, físicos ou químicos. O estudo da biologia, por exemplo, só para ficar na área que ele escolheu, avançou muito desde que Lineu se propôs a conhecer todas as espécies vivas. Mas veja o tamanho do que há para fazer: mesmo com cientistas e laboratórios trabalhando duro nisso, é possível que ainda sejam necessários mais de dois séculos, no ritmo atual, para conhecermos informações mínimas sobre todos os tipos de vida que existem hoje.
O que Wilson faz nessas cartas é tentar convencer a você e a mim – e principalmente àqueles que estão na idade de começar uma carreira – sobre a importância que esse conhecimento pode ter. Está, no fundo, fazendo um apelo. Um apelo em nome de um dos mais grandiosos projetos já iniciados pela humanidade e que está longe de chegar a seu limite: o projeto de conhecer a fundo as coisas, de estudá-las de maneira rigorosa e especializada.
Num mundo ainda cheio de achismos, de palpites vagos, de especialistas em tudo, Wilson pede aos jovens que dediquem sua vida a um conhecimento especializado e sem direito a muitas especulações – pede que a próxima geração continue somando dados obtidos com testes de laboratório e com trabalho em florestas, ou seja lá onde for, para que um dia saibamos o máximo possível sobre a natureza. Nunca isso foi tão importante, principalmente em razão de riscos criados pela própria humanidade, como o aquecimento global.
Se você se dedicar a uma área pouco explorada – e há muitas delas – você pode se tornar uma referência mundial sobre um tema. Basta fazer estudos simples que gerem algum conhecimento sobre algo que ainda seja um mistério para a comunidade científica. E mistérios não faltam.
Para muitos, pode parecer pouco atraente. Só de pensar em ouvir conselhos de alguém que dedicou a maior parte de sua vida a estudar glândulas e feromônios de formigas, é possível que muita gente se entedie. Wilson quer provar o quanto esse trabalho pode ser fascinante. E, como primeiro passo, tenta desmistificar as dificuldades envolvidas em uma vida dedicada ao conhecimento científico.
Exemplo: segundo Wilson, boa parte do talento de um cientista pode ser medida pelos trabalhos mais rápidos e fáceis de fazer. Nada de empreendimentos mirabolantes e excessivamente caros (que também têm sua importância, claro). Ele conta sem nenhum pudor alguns casos em que fracassou de maneira retumbante, como a vez em que, para saber se o eletromagnetismo afetava de algum modo as formigas, colocou um ímã poderoso sobre uma coluna de insetos: não aconteceu absolutamente nada, mas ele perdeu apenas uma hora de trabalho e teve uma resposta.
Em outras vezes, um trabalho de poucos dias rendeu uma descoberta importante. Como no caso em que ele pacientemente dissecou uma formiga e cortou cada um dos seus órgãos em pequenas fatias. Depois, espalhou trilhas de cada parte do corpo do animal. O objetivo era saber em qual órgão se produzia o material químico que fazia as formigas seguirem os rastros umas das outras. Acabou descobrindo que a trilha surgia em uma glândula minúscula, da qual ninguém tinha suspeitado. E avançou um passo importante, em apenas uma semana, no estudo da comunicação por meio de feromônios.
Edward O. Wilson. Tradução de Rogerio Waldrigues Galindo. Companhia das Letras, 208 pp., R$ 34,90.
Outro ponto ressaltado por Wilson: em pouquíssimo tempo, se você se dedicar a uma área pouco explorada – e há muitas delas – você pode se tornar uma referência mundial sobre um tema. Basta fazer estudos simples que gerem algum conhecimento sobre algo que ainda seja um mistério para a comunidade científica. E mistérios não faltam. No caso das formigas, por exemplo, Wilson diz que quando começou a estudá-las, em meados do século 20, havia meia dúzia de especialistas. Mesmo elas sendo um dos grupos de animais mais importantes sobre a Terra.
As cartas de Wilson são um alento para quem está começando uma carreira científica. Sua intenção, como ele mesmo diz, é fazer com que os mais novos pensem: “Se ele conseguiu fazer isso, eu também posso, e talvez melhor”.Wilson diz que foi esse o pensamento que sempre o moveu. Mas e as dificuldades matemáticas? Você pode ter o trabalho de um colaborador para isso. Vá em frente, diz o texto. Sem timidez.
Houve quem afirmasse que o livro é autocongratulatório, e que Wilson passa tempo demais falando de si e de suas descobertas. Há duas respostas para isso. Primeiro, ele pode. Não é qualquer um que cria um ramo da biologia, cria uma enciclopédia que se torna referência mundial para sua área do conhecimento e, de quebra, fatura dois prêmios Pulitzer. Segundo, as histórias sobre a carreira de Wilson não estão lá à toa: para conseguir interessar novos cientistas que sigam o caminho certo, nada melhor do que relatos vividos por alguém que já passou por tudo isso.
As cartas são leves, bem escritas e, principalmente, otimistas. Sai-se delas com a sensação de que a humanidade está firme em seu caminho para acúmulo de conhecimento sólido sobre o mundo em que vivemos. E com a certeza de que isso, independente do resto, nos levará a tempos melhores. Não é pouco.
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