Quem já conviveu com alguém que lida com crises de pânico não vai achar graça em “Depois a louca sou eu”. A incapacidade de participar de qualquer evento social sem sofrer, as gafes, idas urgentes ao banheiro e até desmaios deixam de ser uma excentricidade para se tornar um quadro clínico.
Porém, a colunista da Folha de S.Paulo e roteirista Tati Bernardi usa de tanta sinceridade – e daquele exagero típico dos bons cronistas – que o tema se torna cativante. E mais leve.
Tati faz um relato ligado em 220 volts sobre as dificuldades com a ansiedade crônica. Perpassa de tal forma eventos do passado, incluindo a infância, que beira a autobiografia. Mas a definição perfeita para seu texto é a crônica, gênero híbrido e fluente com o qual a coragem (e vaidade?) de Tati contribuem.
São características que fazem de “Depois a louca sou eu” quase um thriller. Uma das qualidades é a forma como ela costurou eventos em pacotinhos que rendem capítulos-crônicas, que sobreviveriam sozinhos num jornal, mas não são desconexos como por vezes acontece com publicações de cronistas.
Aos sete anos achei ter encontrado uma antena de barata dentro de um saco de salgadinhos. Mostrei à professora e ela disse: ‘não é nada, vai pra fila
Começa pelo prólogo, em que ela faz uma cativante justificativa para a existência de um livro sobre seus medos. Depois fala de como situações que a tiram da zona de conforto, geralmente em grupo, lhe dão vontade de fugir.
Ela flerta com a poesia ao cogitar qual teria sido sua primeira crise de pânico. Num táxi, numa viagem, quando menina?
Lembra das primeiras somatizações, quando começou a ciranda de causa e efeito entre situações que geram ansiedade e dor de barriga.
A procura por “curas naturais”. A inevitável imersão nos remédios. As fobias específicas, como o medo de encontrar pata de barata na comida. O difícil aprendizado para dizer “não”.
O medo de ter medo.
O medo de vomitar.
Tati Bernardi. Cia. das Letras. 140 p. R$27,80.
Em meio a essas confissões, a pimenta do sexo surge do outro lado da balança das neuroses. Parece um escape, uma possibilidade de ser feliz. Até tornar-se ela também uma neurose. Pode-se imaginar o quanto a pressão da adolescência, dos relacionamentos que acabam e a pressão por filhos ampliam a ansiedade pré-existente.
A autora salienta que um namoro com alguém “normal” pode ser frustrante para um ansioso, que costuma se dar melhor com outra pessoa pilhada – até que os dois se ameacem de morte.
O autorretrato de Tati faz pensar em alguém esquelético, de cabelos mal cuidados com óculos de fundo de garrafa. Mas a foto de divulgação comprova o quanto a crônica tem de ficção: ela é linda.
Um momento de identificação: “Preciso logo conquistar o coração de todos, preciso logo saber que meu arroto seria aceito ali. Justamente para que eu nunca arrote, preciso saber que seria perdoada caso arrotasse.”
“Livro é um tratado corajoso sobre o medo”, define autora
Entrevista com Tati Bernardi, escritora e roteirista
- Helena Carnieri Tati Bernardi, escritora e roteirista
Como você lida com a grande exposição pessoal de sua escrita?
Sempre escrevi em primeira pessoa. Claro que nem sempre estou falando de mim, mas o personagem “conta” em primeira pessoa. O livro tem muito de ficção (porque exagero muito, mas não invento), mas acredito ser mais engraçado esse estilo confessional. Muitas vezes quem faz resenhas do livro não entende que se trata de um tratado corajoso sobre o medo. E faz chamadas simplórias como “viciada em tarjas pretas”, coisas que não sou. Daí fico incomodada.
Para quem você escreve?
Escrevo para mim mesma, para minha mãe, para o meu marido, para minha analista, para o cara bonito que vi andando na rua hoje de manhã, para ex-namorados, para as meninas bonitas do colégio que faziam bullying comigo, para quem vai entender e se emocionar, para quem tem raiva e para ninguém.
Como surgiu o livro?
Estou sempre muito ansiosa e acho isso muito engraçado. Pode ser devastador também, mas, com o devido distanciamento, dou bastante risada lembrando das situações e faço os outros rirem bastante contando as histórias. O dia que não embarquei no avião, a reunião em que desmaiei, a festa de aniversário em que não fui. Então tive a ideia de escrever um livro de humor sobre o que acredito ser um dos males desse século. Todo mundo está muito fritado, tomando remédios, com fobias e manias. Temos que falar sobre isso e tentar, dessa forma, relaxar um pouco. Mas o livro também fala sobre amor, família, morar em uma cidade frenética, sexo, médicos e muitas vitórias na vida profissional apesar de tudo.
Que outros livros você escreveu?
Meus outros livros eu escrevi muito novinha, preferia divulgar apenas esse mesmo.