Para Tommy Wieringa, a vida pode vencer o medo.| Foto: Johan Jacobs / Divulgação

Passar o resto da vida preso a uma cadeira de rodas parece ser mesmo o destino de Fransje, garoto de 15 anos narrador do livro “Joe Speedboat”, do holandês Tommy Wieringa, autor convidado do último Litercultura.

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Que nada. O novo lançamento da editora Rádio Londres, que recentemente publicou o colombiano Andrés Caicedo no Brasil, ignora certa tradição de romances “piedosos”, que fazem da limitação física de seus personagens o ponto de partida para jornadas moralistas e redentoras.

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“Joe Speedboat” vai na contramão disso. A condição física do também protagonista, aliada à sua inteligência e senso de humor, é atraente, jamais repulsiva. Há uma força natural na narrativa de Wieringa que alavanca tradicionais aventuras adolescentes a um lugar menos previsível e muito mais divertido.

“Eu consigo me locomover como antes, mas Lomark me parece diferente, as ruas, o dique, tudo se tornou estranho para mim. A esperança que a chegada de Joe havia suscitado um dia arrefeceu. Voltamos a ser o que éramos e sempre seremos. Joe é um messias sem terra prometida: não trouxe progresso, apenas movimento.”

Tommy Wieringa, autor do livro “Joe Speedboat”.

Fransje mora em Lomark, cidade no interior da Holanda onde a maior atração é a abertura de uma estrada de asfalto que irá chegar perto da fronteira com a Alemanha. Todas as famílias se conhecem, sabem do passado umas das outras.

Fransje estava deitado na grama, olhando o céu, quando foi atingido por uma colheitadeira: depois do coma, cadeira de rodas eternamente – na verdade é um veículo improvisado traduzido habilmente por Cristiano Zwiesele do Amaral como “charanga”.

O futuro parece óbvio para Fransje, que passa o tempo escrevendo diários sobre o quase nada corriqueiro em Lomark – seu braço direito ainda é bom.

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Então a vida faz uma curva quando Joe Speedboat, um garoto da mesma idade, se muda para a cidade.

 

Destemido, dá as boas vindas explodindo umas dinamites, só de onda. Expert em engenharia e trabalhos manuais, constrói um avião para, na companhia de Fransje e por cima do muro, ver a vizinha bonitona tomar sol. E participa do rally Paris-Dakar a bordo de um trator.

Fransje e Joe se aproximam. Em pouco tempo não se desgrudam mais.

O garoto polêmico entende todos os sinais do amigo, que agora trabalha para o pai como empilhador de briquetes.

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“Joe Speedboat”

Tommy Wieringa. Rádio Londres. Romance. 334 págs, R$ 39,90.

Como faz força o dia todo, seu braço bom fica forte rapidamente. E aí Joe tem uma ideia surreal: empresariar Fransje numa competição mundial de queda de braço.

Os garotos e PJ – namorada de Joe e paixão secreta de Fransje –, entram em “turnê” para disputar campeonatos pela Europa.

O álcool lhe é apresentado, o sexo também, a despeito de sua condição.

Durante as viagens, o pequeno mundo deixado em Lomark (suas incapacidades, sua frustração, a monotonia) é lembrado com nostalgia e certo desprezo, porque o mundo fora dali é surpreendente e possível.

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Como inspiração para as lutas, Fransje lê ensinamentos de Miyamoto Musashi, espadachim japonês do século 16 e autor de estudos sobre a arte da estratégia.

Com narrativa altamente cinematográfica e personagens inesquecíveis, Tommy Wieringa mostra sem qualquer resquício de pieguice como a vida pode vencer o medo.

Inclusive aqueles internos, independentes de qualquer condição física.