O expressionista Oswaldo Goeldi (1895-1961) foi uma figura singular dentro do modernismo brasileiro. Voz solitária num ambiente solar, festivo e tropical que pregava a revolução estética caraíba, ele criou personagens soturnos, ilustrou livros de Dostoievski, retratou bêbados errando por ruas desertas, urubus farejando carcaças, cães magros e seres desamparados que seguram seus guarda-chuvas na escuridão, como náufragos no dilúvio universal. Curador da exposição "Sombria Luz", que o Museu de Arte Moderna de São Paulo abre nesta quinta-feira, o crítico Paulo Venâncio Filho espera mesmo que a chuva e o nevoeiro que encobrem a cidade continuem para dar mais clima a essa mostra de 200 obras, entre gravuras originais e desenhos, produzidos entre 1920 e o ano da morte de Goeldi, 1961.

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Para manter fidelidade ao universo sombrio do artista, tanto o curador como o arquiteto Felipe Tassara, responsável pelo projeto expográfico, transformaram a principal sala de exposições do MAM num labirinto de portas estreitas e becos. Pertinente. A rua de Goeldi, longe de representar um espaço público libertador, é quase o pátio de uma prisão oclusiva pela qual vagam solitários que têm como companhia cães vadios e a morte à espreita, com frequência representada por um esqueleto, à maneira do belga Ensor (1860-1949), cuja obra Goeldi deve ter conhecido quando voltou à Europa, em 1930.

Ele havia morado na Suíça entre 1905 e 1918, tendo realizado sua primeira exposição individual em Berna, em 1917. Foi por essa época que conheceu a obra do gravador expressionista austríaco Alfred Kubin (1877-1959). Numa carta, exposta na sala menor do MAM, que reconstitui o ateliê de Goeldi no Leblon, o artista conta que a ajuda de Kubin foi decisiva para que ele encontrasse seu caminho.

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Goeldi não viveu o suficiente para atestar que também ele viria a ser uma referência marcante para a geração de artistas dos anos 1960. Lygia Pape é o nome que vem automaticamente à memória com seu filme "O Guarda-Chuva Vermelho", inspirado numa das gravuras mais conhecidas do artista - e exposta logo à entrada da exposição.

"A obra de Goeldi vai na contracorrente do modernismo, que viu o paraíso na luz tropical", observa o curador. "Com suas xilogravuras, ele mostrou que havia sombras sob essa luz solar, uma sociedade desequilibrada." Ao contrário da geração dos anos de chumbo, que recorreu a uma retórica menos sutil, Goeldi não precisou fazer discursos políticos para denunciar esse desajuste. Aníbal Machado disse que a experiência europeia de Goeldi não deixou que ele concluísse sua experiência brasileira, como se as sombras expressionistas perturbassem o gravador, a ponto de identificar objetos e pessoas num jogo surrealista em que ambos se equivalem. Às vezes ele é cômico, mas, de modo geral, termina trágico.