O carioca João Paulo Cuenca, 30, é exemplar de uma safra de escritores que nasceu com a internet, conquistou os festivais literários e as editoras para, finalmente, sobreviver do ofício ainda que, no seu caso, sejam as crônicas que escreve semanalmente para o jornal O Globo, do Rio, e não a ficção de seus dois romances até agora publicados, o que lhe garante pagar as contas em dia. Mesmo assim, o escritor, bem-humorado, se admira: "Consigo comprar minhas cuecas com dinheiro da literatura".
Em 2003, ano da primeira Feira Literária de Parati (Flip), Cuenca foi convidado a passar um mês em Parati completamente dedicado a escrever. Ele e os também novatos Santiago Nazarian e Chico Mattoso tinham a missão de, ao final desse período, entregar um conto o projeto resultou na coletânea Parati Para Mim (Planeta). Depois da experiência, o autor publicou os romances Corpo Presente (Planeta), ainda em 2003, e O Dia Mastroianni (Agir), em 2007, ambos com boa recepção crítica. Também foi convidado para outros grandes festivais, como o de Hay-on-Wye, no Reino Unido.
No ano passado, assumiu a curadoria do projeto Amores Expressos, pelo qual os autores convidados sob intensa polêmica porque uma parte das verbas seria pública tiveram estadia gratuita por um mês numa grande cidade do mundo à sua escolha. A contrapartida é que produzam uma narrativa mais precisamente, "uma história de amor" ambientada na cidade escolhida. Cuenca foi a Tóquio e prevê que sua contribuição, um romance cujo título provisório é A Voz Noturna, "com sorte, sai no ano que vem".
O autor esteve em Curitiba, na semana passada, como convidado do Paiol Literário, evento mensal organizado pelo jornal literário Rascunho em que escritores são sabatinados no palco do Teatro Paiol. Durante uma hora e meia, respondeu a perguntas do mediador da entrevista e editor do Rascunho, Rogério Pereira, e da platéia. Apesar do bom humor constante, mostrou alguma preocupação: "Me assusta, por exemplo, o Marçal Aquino não ser bestseller: deveria ser fácil vender a literatura dele", disse, referindo-se ao autor paulista que é também roteirista de filmes como O Invasor, com relativo sucesso de público nos cinemas. "Enquanto isso, o faxineiro de Cabul está vendendo mais do que o Sérgio SantAnna", lamentou. A seguir, momentos da conversa em que comentou a ficção produzida no Brasil nestes últimos anos do ponto de vista de quem é quase o próprio modelo da "nova geração".
Geração e influências
"Sérgio SantAnna é o escritor em atividade que mais admiro e mais me influencia. Da minha geração, posso dizer que tenho alguns amigos, como o Chico Mattoso, o Antonio Prata e o Joca Terron que, na verdade, é da Geração 90, mas senta à nossa mesa no bar para se sentir mais jovem. Falando sério: o Joca é um farol, uma referência, e tem uma verve de crítico que eu, por exemplo, não tenho. [Mas] somos uma geração sem manifesto, afinidade estética ou algum tipo de plano, como tinha o Modernismo. Mesmo assim, acho que é uma literatura que consegue dar conta do que é o Brasil neste início de século."
O começo
"Quando publiquei meu primeiro romance, Corpo Presente, a recepção foi tão boa que demorei quatro anos para escrever outro (O Dia Mastroianni). E a verdade é que comecei a publicar por acaso: apareci pela primeira vez na revista Ficções, quando o Rubens Figueiredo era o responsável, e por ali meu futuro editor se interessou. Mas não sabia o que era lidar com a crítica de certa forma, eu era um puro; depois me contaminei. Achava que devia alguma coisa a quem tinha me elogiado. Aí assinei contrato para o segundo livro e travei."
Falta de leitores
"O leitor brasileiro quer ler sobre o Afeganistão, não sobre o Brasil. Prefere ler o cabeleireiro de Cabul do que o escritor brasileiro. É um preconceito bizarro: o escritor brasileiro ou é gênio ou é picareta. Não entendo essa esquizofrenia e não sei onde está o problema, mas os dois lados leitores e escritores saem perdendo. E a culpa não é do mercado: um autor novo tem mais facilidade de publicar hoje do que há 20 ou 30 anos. O que mudou é que naquela época o último livro do Rubem Fonseca era assunto das conversas."
Crítica
"É difícil chegar a ser lido na Faculdade de Letras. A academia está pouco interessada alguns, não eu, diriam até pouco aparelhada quando se trata de literatura contemporânea, um desinteresse parecido com o do público. Mas, dentro de uns dez anos, se eu ainda estiver escrevendo, gostaria de receber atenção desse tipo de crítica. Acho muito importante. Quanto à crítica na imprensa, pior do que romancista sem talento é resenhista sem talento. E parece que, enquanto tem muito resenhista jovem sem talento, os mais velhos não estão interessados no que se escreve de novo. Digo isso sem recalque, pois fui de cara muito bem aceito por essa crítica."
Festivais literários
"Parati foi importante para mim: apareci conversando com o Millôr (Fernandes) no Jornal Nacional! Claro, não daria para ficar só nisso embora os escritores jovens estejam ficando velhos e ocupando outros andares nesses eventos. Mas me incomoda ainda a 'fetichização' da literatura: me pergunto se aquela gente (que freqüenta a Flip e outros festivais literários) lê de verdade. Talvez fosse legal ter uma revista Caras só de escritores."
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