David Bowie lançou uma música. Chama-se “Blackstar”, tem dez minutos e um clipe devidamente esquisito. Adiciona um pouco de jazz à atmosfera sombria, ritualística como a dos álbuns “1. Outside” (1995) e “Heathen” (2002), raramente lembrados. A letra é enigmática, enquanto o vídeo parece obra de H.P. Lovecraft adaptada por Alexandro Jodorowsky.
No clipe, Bowie interpreta dois, talvez três personagens. Em um momento é profeta; em outro, dança com escárnio, mas também surge vendado com botões no lugar dos olhos. Situado em outro planeta, uma mulher (com cauda) encontra o cadáver de um astronauta — quem sabe Major Tom, de “Space Oddity” (e “Ashes to Ashes”, outro clipe significativo). Vemos espantalhos, seitas e sacrifícios.
Há elementos simbólicos para uma criar uma religião inteira, além de referências indiretas à própria obra. A letra não tem sentido explícito, muito menos em sua relação com o vídeo: cabe ao receptor ligar pontos e criar teorias de interpretação. Em outras palavras, absolutamente nada que Bowie não tenha feito antes. A nova música, no entanto, surpreende. Porque o David Bowie de 68 anos surpreende tanto quanto o de 25 — nós é que já estamos acostumados.
“Blackstar” é o segundo single do álbum homônimo, grafado simplesmente “â ”, cujo lançamento se dará em 8 de janeiro, seu próximo aniversário. Não sabemos o que esperar dele, ainda que já esperando tudo. “Sue (Or in a Season of Crime)” é a outra música conhecida de “â ”. Lançada há cerca de um ano na compilação “Nothing Has Changed”, ela também é longa – quase sete minutos e meio –, e navegou com autoridade pelo jazz.
Na vida real, o último dos personagens de David Bowie é sua suposta ausência de personagem. Um senhor recluso que não faz shows, não dá entrevistas e que parecia aposentado até lançar “The Next Day” (2013), disco mais recente. Antítese do alienígena grudado à música popular, tornou-se um meta-Bowie — a capa desse último, uma colagem sobre a imagem icônica de “Heroes” (1977), não deixa mentir.
Se “The Next Day” tinha os pés no chão, “â ”, deve se afastar bastante da ideia tradicional de rock, a julgar não só pelas músicas já conhecidas, mas também por declarações de Tony Visconti, fiel produtor e “voz de Bowie na Terra”. Inspirada por Kendrick Lamar, a dupla tentou por de tudo um pouco no álbum de sete faixas. Para tanto, o quarteto do saxofonista Donny McCaslin foi convocado — ele já havia tocado em “Sue”.
Claro, a ideia de enfiar um pouco de tudo soa redondamente vaga. Isso não é problema, no entanto, quando lidamos com alguém que demonstra qualidade parelha ao trabalhar com informação e com a carência dela: aos 68 anos, não responder perguntas continua mais interessante do que preenchê-las. Enquanto o próximo álbum não sai, especulamos. Criar expectativas específicas sobre David Bowie é sempre arriscado: não criar expectativa alguma, sempre um erro.
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