De todos os fazedores de violinos e violoncelos ao longo da história, nenhum atingiu a áurea mística de Antonio Stradivari, o luthier que montou os violinos Stradivarius a partir de madeira de abeto, bordo e salgueiro. Um violino Stradivarius do século XVIII, dos quais umas poucas centenas existem, pode valer milhões. O valor dos instrumentos atrai igualmente admiradores e ladrões. Stradivari tinha um contemporâneo, um compatriota do norte da Itália chamado Giuseppe Guarneri, que chegou perto: os violinos Guarneri, também produzidos no início dos anos 1700, permanecem populares entre músicos profissionais.
Esses violinos de 300 anos têm, ao que tudo indica, recebido maior escrutínio científico do que qualquer outra família de instrumentos musicais. Em um novo estudo publicado no fim de dezembro na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, químicos da Universidade Nacional de Taiwan avaliaram minúsculos pedaços de lascas do bordo de quatro instrumentos Stradivarius e um Guarneri.
Por trás de um Stradivarius, sugeriram os autores do artigo, estava um banho: a arte perdida de dar à madeira de violino e violoncelo uma extensa imersão química. “Esse tipo de tratamento químico da madeira era uma prática incomum”, os cientistas escreveram, “desconhecida de gerações posteriores de fazedores de violino.” Não foi possível determinar quem teria conduzido tal tratamento. Mas os pesquisadores tinham um palpite de que vendedores de madeira italianos banhavam seu material – antes dos fazedores de violinos começarem seu trabalho – para afastar vermes e putrefação.
O banho mineral, associado a três séculos de vibração em alta frequência, poderia ter alterado a estrutura das fibras da madeira. “Em seu estado atual, bordos em Stradivarius têm propriedades químicas muito diferentes das de seus correspondentes modernos, provavelmente devido aos efeitos combinados do envelhecimento, tratamento químico e vibrações”, concluíram os cientistas de Taiwan.
“Esse artigo é o primeiro a me convencer de que algum tipo de infusão mineral da maneira poderia fazer um instrumento musical exibir um som superior”, disse Henri Grissino-Mayer a Steph Yin no New York Times. Grissino-Mayer, um especialista da Universidade do Tennessee, não esteve envolvido na pesquisa em questão.
Efeito auréola
Diversos outros pesquisadores exploraram previamente a composição química dos violinos. Alguns foram além disso. Um radiologista de Minnesota submeteu um Stradivarius emprestado a uma tomografia computadorizada para examinar sua anatomia interior. O breve período de resfriamento da Europa, a Pequena Idade do Gelo que durou dos anos 1300 até o século XIX, alterou o crescimento dos abetos cultivados, Grissino-Mayer e um colega teorizaram em 2004. E um instrumento criado a partir de madeira moderna irá soar de maneira indistinguível à de um Stradivarius, um pesquisador suíço argumentou em 2012, se você primeiro tratar a madeira fresca com certos fungos.
Tal escrutínio tem um outro lado da moeda – uma preocupação que as minuciosas análises dos Stradivarius e Guarnerius sirvam apenas para alimentar a fama dos instrumentos.
Dois cientistas acústicos da Universidade de Salford, escrevendo no site de notícias The Conversation, argumentaram que é possível que um fenômeno psicológico chamado efeito auréola seja a fonte da percepção de que os instrumentos soam melhor. A dupla citou um relatório de 2012 no qual 21 especialistas em violino, durante um experimento cego, preferiram tocar um instrumento moderno a um autêntico italiano do século XVIII. Talvez o glamour dos Stradivari seja o equivalente orquestral, em outras palavras, de pagar a mais por Tylenol quando engolir paracetamol genérico alivia uma dor de cabeça igualmente bem.
Ainda assim, não poucos violinistas mantêm que os Stradivari são os instrumentos por excelência. Ao Washington Post em março, Joshua Bell (violinista profissional, e o virtuoso por trás da intervenção na estação de metrô L’Enfant Plaza em Washington, D.C., em 2007) comparou tocar um violino bem feito e um Stradivarius à diferença entre um “tenor muito bom” e o falecido Luciano Pavarotti.
“Quando você toca um Strad, um grande Strad”, disse Bell, “há um algo a mais nele.”
Para céticos do Stradivarius, contudo, o debate dificilmente está resolvido. “O problema com estudos que examinam a composição química é que eles não incluem medidas de como os violinos realmente vibram e criam as ondas sonoras que ouvimos”, os cientistas de Salford argumentaram em The Conversation.
Como também escreveram os cientistas de Taiwan, os “efeitos acústicos associados com as alterações químicas específicas observadas nesse estudo ainda precisam ser investigados.” Para fazer ciência definitiva, pesquisas futuras terão de mostrar que as diferenças minerais são bem vindas aos nossos ouvidos.