A canção "Olhos nos Olhos", de Chico Buarque, vira filme
Karim Aïnouz correu para terminar O Abismo Prateado, que exibe na Quinzena dos Realizadores, mostra paralela ao Festival de Cannes, na próxima terça-feira (17). Ele foi convidado pelo produtor Rodrigo Teixeira para dirigir um filme inspirado por uma canção de Chico Buarque, "Olhos nos Olhos". Em vez de fazer uma tradução literal, ele buscou a história daquela mulher. O Abismo Prateado, junto com Trabalhar Cansa (leia quadro ao lado), são os únicos longas-metragens brasileiros em Cannes. O diretor disse que pensa muito nas razões que deixam o cinema brasileiro fora da competição dos grandes festivais internacionais, mas acha que isso está para mudar com a nova geração que vem por aí. O diretor de Madame Satã e O Céu de Suely falou à Gazeta do Povo logo depois de desembarcar na cidade francesa, na tarde da quinta-feira (12).
Muito se falou sobre a presença de mulheres na competição do 64.º Festival de Cannes. Há um recorde de quatro filmes dirigidos por mulheres entre 20 concorrentes e três passaram nos três primeiros dias do evento, que iniciou morno.
O primeiro foi Sleeping Beauty, da escritora australiana Julia Leigh, que faz sua primeira investida no cinema sob a marca da pretensão. Sua protagonista é Lucy (Emily Browning, de Sucker Punch), uma universitária que se entrega a trabalhos comuns como a limpeza de mesas em uma lanchonete ou fazer cópias num escritório ou incomuns como servir de cobaia para um experimento científico ou aceitar ser sedada e subjugada por homens. Cheio de imagens belas, o resultado é, porém, vazio.
Mais contundente é We Need to Talk about Kevin, da inglesa Lynne Ramsay, baseado num best seller de Lionel Shriver sobre uma mãe tentando entender por que seu filho cometeu um ato de extrema violência.
O vermelho tinge as primeiras cenas em que Eva (Tilda Swinton) começa a se lembrar da criação de Kevin. Ela se lembra de um bebê difícil, de uma criança confrontadora, que só tinha olhos para o pai condescendente (John C. Reilly), e finalmente do adolescente sarcástico. Ela se pergunta se realmente amou o filho e se a culpa não seria sua, dotando a produção de potencial polêmico. Mas o filme não aponta dedos, e a diretora arranca interpretações poderosas da sempre ótima Tilda Swinton e dos garotos que fazem Kevin na infância e, principalmente, na adolescência (Ezra Miller).
A terceira cineasta a apresentar seu filme foi a atriz Maïwenn, com Polisse, que pretende acompanhar a vida como ela é na divisão de proteção à criança na França. Os agentes lidam com casos bizarros de abuso infantil, discutem bastante, cuidam de todos os casos quase sempre juntos e passam o tempo livre juntos, tudo sob o olhar de uma fotógrafa interpretada pela diretora que, a bem da verdade, não tem razão de ali estar. Seria ruim mesmo na televisão.
Moretti e Van Sant
Menos pesado é Habemus Papam, o retorno de Nanni Moretti à competição ele venceu a Palma de Ouro em 2001 com O Quarto do Filho. Com sua típica mistura de comédia subversiva e drama, fala da eleição do novo papa. Quando está para ser anunciado, porém, o escolhido (Michel Piccoli) tem um colapso nervoso. Passa a ser tratado por um psicanalista ateu, interpretado pelo próprio diretor. O longa é irregular, mas tem frases excelentes e momentos como o campeonato de vôlei organizado pelo psicanalista com os cardeais.
Outro ganhador de Palma de Ouro com Elefante, de 2003 que volta à Croisette é Gus Van Sant, mas, desta vez, na seção Um Certo Olhar, dedicada a filmes menores. Em Inquietos, ele novamente tem adolescentes como protagonistas. Enoch (a revelação Henry Hopper, filho de Dennis) vive cercado de morte, seja nos velórios de desconhecidos que gosta de frequentar ou na amizade com um kamikaze fantasma (Ryo Kase). Até que, um dia, ele apaixona-se por ela, na forma da adorável Annabel (a ótima Mia Wasikowska), doente de câncer. Van Sant transforma a história agridoce de amor e morte num filme relevante, cheio de cenas poderosas. (MM)
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