A história das tragédias, muita vezes, começa com más apostas. O personagem central do livro A Vida Financeira dos Poetas larga seu emprego de anos como repórter econômico de um grande jornal da cidade para abrir um negócio próprio.
Um portal na internet com notícias econômicas em versos que falha miseravelmente. Este é só primeiro dos maus passos da caminhada tragicômica para o meio de uma crise atroz. Que coincide com o turbilhão financeiro da "bolha imobiliária" que irrompeu em 2009 nos Estados Unidos e abalou os mercados mundiais.
O cenário da ação é exatamente o das antes aprazíveis casas de subúrbio com gramado em frente que agora estão vazias com a execução das hipotecas.
A casa do protagonista Matt Pryor também vai cair em breve. Ele se vê desempregado, com dois filhos pequenos e um pai demente e priápico em casa, além de uma mulher que está flertando com um ex-namorado nas redes sociais. No meio deste turbilhão, uma descoberta para piorar as coisas: a maconha "transgênica" que os meninos malandros andam fumando na vizinhança é indescritivelmente melhor do que a que ele usava na adolescência e sua oferta e procura parecem ser as únicas que resistiram ao colapso financeiro mundial.
Este reencontro com o velho hábito abre a trilha que o arrasta para um fundo ainda mais escuro do poço que parecia sem fundo.
No texto do escritor Jess Walter todo este enredo e seus desdobramentos se transformam numa daquelas deliciosamente divertidas comédias de erros literárias.
O autor, traduzido pela primeira vez no Brasil, é, segundo alguns críticos americanos, a bola da vez para entrar na primeira divisão dos autores de romance americanos. O humor e a ironia dos diálogos e os insights do personagem diante de sua própria tragédia lembram o estilo de Kurt Vonnegut em seus melhores momentos.
Segundo o autor, o livro é "autobiográfico na superfície". Ele diz ter crescido em casas e bairros suburbanos, trabalhou em jornais por cerca de oito anos (e também tentou escrever poesia, "melhor" que o seu personagem).
"Também achei as melhorias da maconha surpreendentes depois de anos longe dela. Mas sou muito bom com o dinheiro e não faço as más decisões que Matt faz", disse Walter em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo.
"Ele tem o meu senso de humor, mas, como eu estava escrevendo, pensei que seria divertido para ele tomar as decisões opostas que eu faria", disse. O livro também não poupa personagens emblemáticos de nosso tempo, como analistas financeiros, fanáticos religiosos, chefes inescrupulosos, consultores sentimentais e policiais truculentos, todos expostos ao ridículo. "Gosto da ideia de que todos falam a mesma linguagem: a do mercado acionário. A falsa ideia de que tudo só pode crescer e crescer, sem consequências, que a vida é uma máquina de motor perpétuo. Claro, não é."