Em pouco mais de dois meses, os Estados Unidos elegerão seu 44º presidente. Ser o comandante-em-chefe do país mais poderoso do mundo nunca foi tarefa fácil, mas o atual contexto histórico sugere que, desta vez, o desafio é ainda maior.
Os EUA terminam com oito anos de um governo republicano que colocou os valores e ideais americanos de lado em nome da luta contra o terrorismo. Mais do que isso, a atual administração deu fôlego a uma guerra interna que desde a geração baby boomer (daqueles nascidos depois da Segunda Guerra) assombra os EUA: a polarização cultural e racial, o racha entre esquerda e direita.
O dever do novo presidente, portanto, não será apenas o de formular políticas para melhorar a economia, expandir o sistema saúde ou garantir uma saída honrosa do Iraque. Há uma missão mais profunda para o próximo ocupante da Casa Branca: resgatar a própria identidade dos EUA.
É nessas circunstâncias que se apresentam John McCain, o candidato republicano, e Barack Obama, o democrata. Para muitos analistas, as plataformas de governo dos dois são menos diferentes do que parecem. Desde o fim das primárias, isso ficou ainda mais claro. Os dois candidatos têm se aproximado do centro.
Para Sean Purdy, professor de História das Américas da USP, Obama quer ser o candidato da mudança, mas suas posições são muito parecidas com o status quo: "Ele apóia o direito ao aborto, mas não propõe verbas para isso. Apóia a pena de morte, que é o padrão da política americana, e se afastou do apoio à causa palestina para enfatizar o apoio a Israel".
Mas Obama e McCain são dois espelhos distintos dos EUA. O último, se ganhar, será o mais velho presidente a assumir o cargo na história do país. Foi herói de guerra do Vietnã. É branco e senador por um estado do Sul. O primeiro é negro, filho de queniano e pertence a uma geração que não enxerga o mundo com o maniqueísmo dos tempos da Guerra Fria.
Questão racial
Barack Obama é o primeiro candidato negro que extrapola a questão racial. Seu eleitorado não depende do voto negro e ele não é conhecido pela defesa dos direitos civis dos negros. Seria um candidato capaz de inaugurar uma nova era nos EUA, enterrando de vez a segragação racial no país, que ainda perdurava poucas décadas atrás, dizem analistas.
De seu lado, McCain rompe com o esterótipo criado pela era Bush do conservadorismo americano. McCain é um conservador, sim, mas de outro tipo. Defendeu políticas no Senado que não se encaixam facilmente no rótulo do partido. Tem uma ampla agenda para lutar contra o aquecimento global e sua política de imigração chega a ser amigável. Mas, ao contrário de Obama, McCain não chega a ser "suprapartidário". Foi a favor da invasão do Iraque e, volta e meia, flerta com a base ultra-conservadora do partido.
É inegável que a grande novidade é mesmo Obama. O editor da revista The Atlantic Monthly, Andrew Sullivan, um conservador, escreveu um ensaio que ganhou relativa fama nos EUA ao defender a candidatura do democrata. Não pelas suas política, mas pelo que ele representa. "O que Obama oferece? Antes de tudo, seu rosto. É a mais eficiente transformação da imagem dos EUA desde a promovida por Ronald Reagan. Esta mudança de imagem não é trivial é essencial para uma estratégia de guerra", escreveu ele.
Sullivan preconiza o governo de Obama como um misto de poder e suavidade, que só tem a trazer bons frutos para a política externa norte-americana. O jornalista desenha uma cena assim: um jovem muçulmano do Paquistão está assistindo à televisão e vê um homem mulato com nome do meio de "Hussein" como o novo rosto da América. O suposto inimigo, de repente, é alguém com quem ele pode se identificar e o poder de persuasão dos EUA aumenta exponencialmente.
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