O ditador Kim Jong-il entre o diretor Shin Sang-ok e a atriz Choi Eun-hee: sequestro com fins “culturais”| Foto: /Arquivo

Durante décadas, Kim Jong-il comandou uma das maiores ditaduras do século 20. Apesar de ter assumido oficialmente o poder em 1994, desde a década de 1970 ele era o braço direito do pai, o ditador Kim Il-sung, primeiro presidente da Coreia do Norte. A mão de ferro com que administrava o país escondia um lado de sua personalidade menos conhecido, mas não menos obstinado: o de cinéfilo.

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Desde jovem Kim Jong-il mantinha uma relação íntima com o cinema. Passou a adolescência vendo filmes e usava da influência para contrabandear produções americanas e europeias, assistidas unicamente por ele. Com a participação no governo do pai, passou também a atuar na indústria cinematográfica, produzindo filmes usados para promover o governo. Mas ele queria ir além e, para isso, não poupou esforços.

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Kim Jong-il brinca de dirigir 

O episódio mais bizarro resultante da paixão do ditador pelo cinema é o tema de “Uma Produção de Kim Jong-il”, livro de estreia do produtor de cinema Paul Fischer. A obra narra em detalhes o plano para impulsionar a indústria cinematográfica norte-coreana: sequestrar a atriz Choi Eun-hee e o diretor Shin Sang-ok, principais nomes da vizinha Coreia do Sul.

“Se quisesse impressionar o pai e realizar seu próprio sonho de vida, ele [Jong-il] precisava deixar uma marca internacional. Tinha a ambição e os recursos; o que não tinha era experiência e talento como cineasta. Mas, em um país conhecido como Reino Eremita, onde ninguém de dentro podia sair e ninguém de fora podia entrar, onde encontrar algo assim? Foi então, em 1977, que ele esboçou seu grande plano”, relata Fischer no livro.

“Não sei o que a Coreia do Norte pensa sobre o livro”

Entrevista com Paul Fischer, autor de “Uma Produção de Kim Jong-il”

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Casados, Shin e Choi eram à época as grandes estrelas do cinema sul-coreano, ou seja, os nomes ideais para que o ditador colocasse em prática seu plano mirabolante. Em “Uma Produção de Kim Jong-il”, o autor não apenas destrincha como ele foi bolado e executado, como revela detalhes assombrosos de um regime político extremamente cruel. Enquanto Jong-il alimentava seu sonho megalomaníaco, milhares de cidadãos passavam fome ou eram torturados nas prisões.

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17 anos

Kim Jong-il governou a Coreia do Norte durante 17 anos, de 1994 a 2011. Sua participação no governo do pai, Kim Il-sung, começou em 1974, quando foi escolhido oficialmente seu sucessor. Morreu em 2011, vitimado por um ataque cardíaco, ou, na versão do governo, pela fadiga causada pela “dedicação ao seu povo”.

O calvário de Shin e Choi durou oito anos, período em que viveram no isolamento, conviveram diretamente com o “Querido Líder” e tiveram de obedecer às regras da doutrina Juche (uma variação do comunismo apoiada em regras instituídas pelo regime de Kim Il-sung). Mais do que isso, fizeram juntos um conjunto de filmes que serviu aos propósitos da Coreia do Norte, mas também tinha méritos artísticos. A obra derradeira foi “Pulgasari”, uma versão de “Godzilla” que depois se tornou uma relíquia para os fãs do “trash”.

“Uma Produção de Kim Jong-il” mostra, acima de tudo, como ficção e vida real caminham lado a lado na Coreia do Norte, onde a ditadura dos Kim criou uma realidade própria. “É tudo absurdo. É tudo falso. Mas não importa. A própria Coreia do Norte, como produção de Kim Jong-il, tornou-se um Estado teatral: uma experiência ritualizada, um sistema de símbolos, espetáculos e encenações destinado a manter a autoridade e a legitimidade de um regime que, na realidade, não possui nenhuma delas”, resume um trecho da obra.