Público fiel e constante

Reconhecida por apostar em novos artistas da cena instrumental brasileira, a gravadora Biscoito Fino também mira o público consumidor de música erudita. No catálogo da gravadora, há 28 títulos pertencentes ao selo Biscoito Clássico – de um total de 300. A maior parte são produções em parceria com a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), mas também há apostas em novos compositores.

O pianista carioca Sérgio Monteiro é um deles. Desde 2005 vivendo em Luzerna, na Suíça, Monteiro realizou diversas turnês internacionais. O violoncelista Antonio Meneses é outro que aparece no catálogo da gravadora. O pernambucano dedica-se a releituras de composições barrocas e faz participações em diversas orquestras.

Segundo Sylvia Medeiros, produtora da Biscoito Fino, existe um público fiel, interessado nas regravações ou mesmo nos novos compositores. "Observamos que a venda dos discos de música erudita é constante. Todos eles vendem mais ou menos a mesma quantidade. Acreditamos que isso esteja ligado às preferências do consumidor, que opta por ter a qualidade do disco do que baixar as músicas pela internet", avalia Sylvia.

Cristiano Castilho

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A música erudita, embora pareça distante da cultura popular, está por toda a parte. Trilhas sonoras de filmes famosos constantemente se valem de grandes composições para enriquecer a obra e até mesmo desenhos animados já utilizaram valsas e concertos como trilha de fundo. Mas será que tudo aquilo que é composto elaboradamente e executado por uma orquestra é música erudita?

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Entre as discussões a respeito, estabelecer as fronteiras entre o popular e o erudito pode ser motivo de divergências entre especialistas. Reconhecida como uma música de elevada qualidade e intelectualmente arquitetada, as opiniões sobre o assunto abrangem todos os diferentes conceitos que definiriam uma música ou um compositor como erudito, e mesmo esses conceitos, segundo estudiosos, não chegam ser bem definidos.

O pianista Álvaro Siviero acredita que o principal para definir uma música como erudita é sua própria identidade. "A música erudita tem a função de enriquecimento. Assim como o enólogo consegue destacar um bom vinho, a cultura tem o papel de capacitar as pessoas nesse sentido", explica. O caráter estritamente artístico da música erudita é defendido por estudiosos que não permitem a difusão do gênero com similares como a música de cinema. O professor de música da Universidade Federal do Paraná Norton Dudek não considera a trilha composta para o filme como erudita por mais semelhante que possam parecer os dois gêneros. Para ele, a música de cinema, além de ter uma funcionalidade, foi composta com uma intenção diferente. Ele lembra também de Bernard Herrmann, famoso compositor de trilhas sonoras (como o célebre tema de Psicose), que teve suas trilhas adaptadas para concertos por sua proximidade com a música erudita.

"Assim como obras eruditas que são utilizadas como trilha sonora não passam a pertencer a este gênero, Bernard Herrmann também não passa a ser considerado um compositor erudito quando suas trilhas são adaptadas para as orquestras", diz Dudek.

A também professora de música Valentina Chiamulera, da Faculdade de Artes do Paraná, não concorda com essa definição. "Assim como o balé, o cinema também agrega à sua arte músicas eruditas e a intenção ou a funcionalidade dessas obras não as fazem menores", afirma. Ela dá o exemplo da música minimalista, corrente erudita que tem como expoente o compositor Philip Glass e que se utiliza de repetições constantes de trechos. Segundo Valentina, por ser algo repetitivo e ter uma assimilação passiva, muitas vezes a música minimalista precisa ser associada a outro tipo de arte, como o cinema.

A discussão a respeito da contemporaneidade da música e a dificuldade para defini-la como erudita também é motivo de divergências. Para Valentina, a música romântica (originária do movimento homônimo surgido no século 18), por prezar mais a expressão sobre a forma contribuiu para quebrar os moldes eruditos do barroco. "Com o começo da participação da burguesia nos espetáculos, os compositores começaram a fazer músicas que mexessem mais com os sentimentos dos espectadores, pois os burgueses não eram tão cultos como a nobreza", esclarece Valentina e acrescenta que, a partir daí, os compositores perderam suas raízes classicistas, embora isso não contribua para afirmar que não existem mais compositores eruditos na atualidade.

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Já Álvaro Siviero acredita ser a quebra das regras de harmonia, estabelecidas por Johann Sebastian Bach e por compositores do final do século 19 e início do século 20, o início da discussão sobre o que é música erudita. "Alguns quebram esses moldes com a intenção de transgredirem e reinventarem o erudito e outros simplesmente abandonam essas características. É essa fronteira tênue que torna a discussão válida", explica.

Siviero reconhece que, de todas as manifestações artísticas, a música, por ser imaterial, é a mais transcendente e por isso tem maior capacidade de assimilação à cultura das pessoas. "Em outros países, vejo muitos jovens ouvindo Mozart e Beethoven em seus iPods junto com outros estilos musicais e percebo que o erudito também pode entreter. Tudo depende do grau de instrução das pessoas", afirma. Ele lembra também de compositores que se dedicaram a compor músicas populares com influências eruditas, como Tom Jobim e Hermeto Pascoal, e explica que embora não haja qualquer relação entre o popular e o erudito propriamente dito, esses compositores merecem ser respeitados pelo alto grau de erudição. "Essa proposta já era feita por Mozart quando ele comandava o Folks Theater, utilizando-se de alguns elementos eruditos para fazer música popular", completa.

O compositor Heitor Villa-Lobos, que baseou sua carreira na valorização de ritmos regionais para compor música erudita, ressaltou essa distinção entre o popular e o erudito. "O supremo ideal é compreendê-las e amá-las, colocando cada qual no seu devido lugar", disse Villa-Lobos.