Co-organizadora, ao lado de Stefania Chiarelli e Masé Lemos, da coletânea Alguma Prosa Ensaios Sobre Literatura Contemporânea Brasileira (7 Letras), a doutora em Letras Giovanna Dealtry, professora de Literatura Brasileira e Comunicação Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), faz parte ela própria de uma nova geração de "jovens críticos, vindos da academia, [que] buscam formas de falar não necessariamente para o leitor especializado, mas para os que se interessam por literatura e ponto".
Já aos autores surgidos e consolidados no século 21, segundo ela, o conceito de geração não se aplica. Mesmo a chamada "Geração 90", diz, dificilmente exibiria os requisitos de unidade estética e de propósitos para ser assim tratada. "Os jornais e alguns críticos se apressaram em definir [os novos autores] como uma geração nascida da internet", afirma. "Acho que os blogs são um importante canal de exposição, mas eles funcionam mais como um veículo do que como um caminho de transformação da própria linguagem literária."
Gazeta do Povo Que critérios poderiam nortear a seleção de um "cânone futuro"? Como saber que autores de hoje vão permanecer?
Giovanna Dealtry Já vivemos um tempo em que bastava falar sobre Brasil, índios, cor local, para ser boa literatura. Foi Machado de Assis quem primeiro denunciou a farsa quando perguntou se acaso Shakespeare seria um autor menos inglês por falar dos dramas de um príncipe dinamarquês. Acho que hoje operamos em algumas frentes. Por um lado, desde Clarice Lispector, Guimarães Rosa e João Cabral abriu-se um caminho profícuo, e nunca esgotado, para a investigação da linguagem, dos limites da palavra. Por outro, as conquistas dos direitos civis e o surgimento dos estudos culturais possibilitou o aparecimento de diversas vozes femininas, gays, negras, marginalizadas etc. que não podem ser colocadas mais em segundo plano. Possivelmente, alguns desses autores, não só no Brasil, podem vir a se tornar datados, marcados mais pelos dados históricos ou sociológicos do que pela preocupação com a forma literária. Temos também uma vertente expressiva de jovens autores que, a reboque da literatura de Rubem Fonseca e de certa estética cinematográfica, aposta numa investigação de elementos próprios do urbano, como a violência e a solidão.
Por que, entre os autores mais jovens ou revelados já neste século, a idéia de "geração" é recusada, enquanto em outros momentos os anos 90 são exemplo recente parece ter havido maior unidade estética da produção literária?
Não sei se concordo que os anos 90 revelaram uma geração de autores com a mesma unidade estética. Acho que a última vez que o conceito de geração foi utilizado com maior acerto foi nos anos 70, com a poesia marginal. Para existir uma "geração", que não seja identificada só pela faixa etária, precisaria haver um sentido maior não só de unidade estética como também de propósito dessa literatura. Podemos notar certas marcas nesses autores, como a influência mais direta da linguagem dos veículos de comunicação de massa. Não por acaso, Marçal Aquino e Paulo Lins transitam também pelo cinema. Mas, em contrapartida, encontramos uma Adriana Lisboa, que chega com uma escrita mais intimista.
Alguns críticos vêem um certo retorno ao molde clássico do romance, por exemplo, com enredos realistas e pouca experimentação formal e, portanto, o futuro da prosa brasileira seria "conservador". Concorda?
Acho que pensamos de maneira muito provinciana e excludente quando falamos nos rumos da literatura brasileira. O bom seria se existissem autores com enredos mais realistas, escrevendo "romanções", autores mais experimentais, outros que se dedicassem aos policiais e por aí vai. O que me parece, às vezes, é que sempre se espera, e a mídia e a própria academia são em parte responsáveis por isso, que o próximo autor mude o mapa da literatura brasileira, quando não podemos esquecer que o livro é uma mercadoria que precisa circular. Só uma indústria consolidada é capaz de bancar também experimentações literárias. Infelizmente, estamos num momento em que muitos autores, excelentes inclusive, são mais citados do que efetivamente lidos. Acho que o problema está menos em enredos realistas e mais no engano de achar que a literatura pode, de uma forma transparente, se colar ao real.
Quais romancistas contemporâneos se destacaram neste início de século?
Três escritores se destacam: Milton Hatoum, Luiz Ruffato e Bernardo Carvalho. Cada um a sua maneira tem construído uma carreira sólida. Acho que uma das marcas de um bom autor é a obsessão, e, com certeza, esses são três autores obsessivos com seus temas.
Quais contistas parecem querer permanecer?
Temos vários contistas excelentes, no momento. Vou destacar dois de linhas bem diversas. O pernambucano Marcelino Freire e a carioca Adriana Lunardi. Marcelino tem uma prosa sólida, que namora com a oralidade, a musicalidade, mas é muito bem trabalhada também na página impressa. É uma prosa que busca investigar a condição humana atual a partir de situações-limite. Nos contos de Marcelino não há uma pausa, uma respiração, e o leitor é totalmente invadido por esses personagens que vivem à margem da sociedade. Já o que me atrai na obra de Lunardi é o trabalho de carpintaria da escrita e uma visão muito íntima do que é literatura. Ela convoca a tradição literária em seus textos, mas não se deixa ser esmagada pelo peso de autores como Clarice Lispector ou Virginia Woolf. O que a interessa, às vezes, parece ser a própria simulação do fazer literário. Poderíamos acrescentar a essa lista Rubens Figueiredo, que cria personagens fantásticos. E, é claro, Sérgio SantAnna, que em seu último livro mostrou por que é o maior contista brasileiro atualmente.
O que você pensa da crítica de maneira geral, hoje, no Brasil inclusive a de jornal? Compara-se à de outros países com maior tradição literária?
Pensar a crítica hoje exige discutir o papel que a academia ocupa nessa discussão. Por um lado, fala-se que o jornalismo é superficial e, por outro, que o crítico acadêmico é repleto de jargões e se fecha com seus pares. Não compartilho dessas visões. Muitos jovens críticos, vindos da academia, buscam formas de falar não necessariamente para o leitor especializado, mas para os que se interessam por literatura e ponto. Por outro lado, se os jornais realmente dispõem de pouco espaço para a discussão sobre literatura brasileira e crítica literária, vemos vários sites e blogs tomarem para si essa tarefa. Acho que em outros países, como a própria Argentina aqui do lado, há mais espaço para a crítica nos jornais porque há uma maior demanda por parte dos leitores. Enquanto a leitura não se tornar algo corriqueiro entre nós (a pergunta tem que deixar de ser "qual foi a última coisa que você leu?" e passar a ser "o que você está lendo agora?), sempre haverá um espaço restrito para a crítica no Brasil.
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