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O ator Pierre Deladonchamps (à dir.) conta detalhes das cenas íntimas que protagonizou ao lado de Christophe Paou | Divulgação
O ator Pierre Deladonchamps (à dir.) conta detalhes das cenas íntimas que protagonizou ao lado de Christophe Paou| Foto: Divulgação

No ano em que a França aprovou, mesmo sob uma enxurrada de protestos contrários, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, dois filmes de temática gay fizeram grande sucesso no país. Um deles foi Azul É a Cor Mais Quente, assinado por Abdellatif Kechiche e vencedor da Palma de Ouro na última edição do Festival de Cannes; e o outro foi Um Estranho no Lago, de Alain Guiraudie, coroado como melhor filme de 2013 pela respeitada revista Cahiers du Cinéma. No César deste ano, uma espécie de Oscar do cinema francês, os dois títulos somaram oito indicações cada.

O ator principal de Um Estranho no Lago, Pierre Deladonchamps, venceu o César na categoria melhor revelação masculina. No filme, ele interpreta Franck, um jovem que vai frequentemente a um lago onde homens se encontram para fazer sexo ao ar livre. Lá, ele faz amizade com o solitário Henri (papel de Patrick d’Assumçao) e se apaixona por Michel (Christophe Paou). Com este último, os sentimentos do protagonista são dúbios: ao mesmo tempo em que gosta de estar junto do novo "namorado", tem medo de que ele lhe faça algo ruim, pois o viu afogando um jovem, que, mais tarde, foi encontrado morto no lago.

Em entrevista realizada por e-mail, Deladonchamps defendeu que o sexo ainda é um tabu no cinema, mas que algumas produções não pornográficas pedem por cenas íntimas. Para o ator, é o caso de Um Estranho no Lago, no qual, além da nudez frontal, os personagens centrais, Franck e Michel, aparecem fazendo sexo em várias cenas – algumas delas reais. Antes da filmagem, ensaios foram realizados em estúdio, o que deu mais tranquilidade ao trabalho. "Alain [Guiraudie, o diretor] nunca tentou obter de nós aquilo que não queríamos fazer", contou. "No fim das contas, foi bem menos complicado do que imaginei." Confira a seguir a conversa completa com o vencedor do César de melhor revelação masculina.

Até hoje, a maior parte da sua carreira foi dedicada à televisão francesa. Com Um Estranho no Lago, porém, seu horizonte profissional se ampliou ao ser descoberto em outros países. Como se deu o convite para trabalhar no filme?

Para Um Estranho no Lago, foi o diretor de elenco [o francês Stéphane Batut] que contactou meu agente. Primeiro, eu o encontrei [Batut], depois o diretor do filme [o também francês Alain Guiraudie]. Após várias reuniões, ele [Guiraudie] decidiu me confiar o papel.

O filme tem cenas de sexo explícito, assim como Pink Flamingos (1972), Ken Park (2002), 9 Canções (2004), Shortbus (2006) e Anticristo (2009). Qual a sua opinião sobre o espaço que o sexo ganhou no cinema considerado cult ao longo dos anos?

O sexo é um dos últimos tabus do cinema. Para muitos diretores e atores, é algo que faz parte da intimidade e, por isso, deve ser preservado. Eles preferem sugerir a mostrar. Penso que, de uma parte, existe o pudor de quem está envolvido na produção cinematográfica; de outra, acredito que tenha de haver uma justificativa para o filme mostrar o sexo explícito. Para mim, em Um Estranho no Lago, o sexo é parte integrante do universo descrito. As cenas de sexo mostram a evolução da relação entre os dois protagonistas. Assim, não sou contra o sexo explícito, se esse recurso serve ao filme. Penso que nos importamos muito menos com a violência física no cinema, mesmo que ela tenha a capacidade de marcar enormemente os espectadores. No filme, o seu personagem, Franck, tem muitas cenas íntimas com Michel, papel de Christophe Paou. A preparação para essas cenas foi diferente? Houve dificuldades?

Repetimos essas cenas em estúdio. Algumas delas foram até coreografadas, o que me ajudou muito. A gente não gravou no improviso, sabíamos como se passaria a cena, às vezes até o último detalhe. Alain nunca tentou obter de nós aquilo que não queríamos fazer. No fim das contas, foi bem menos complicado do que imaginei. Tudo transcorreu bem.

Em 2013, a homossexualidade foi o centro de um debate na França. O governo autorizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que desencadeou muitos protestos. Qual a sua posição em torno dessa questão?

Evidentemente, sou favorável a essa lei. Acredito que ela vai no sentido de igualdade. Não vejo diferença [entre homossexuais e heterossexuais], pois se trata de amor. A França é um país complicado no que diz respeito a esse assunto. [Na época da aprovação da lei] Sondagens partiram dos dois lados [favoráveis e contrários] em um espaço curto de tempo, o que demonstra, no meu ponto de vista, a influência de políticos. A gente soube que alguns governantes eram contra essa lei publicamente, mas favoráveis na esfera privada, pois não podiam contrariar a posição do partido deles. Não aprovo essa maneira de fazer política. Algumas propostas que foram para a Assembleia Nacional me fizeram ter vergonha.

Um Estranho no Lago foi lançado no mesmo ano da polêmica em torno do casamento homossexual na França. Você sofreu alguma discriminação por conta desse trabalho?

Não sofri nenhuma discriminação. Não quis também entrar publicamente nesse debate à época [da aprovação da lei], porque as tensões eram muito fortes. Sobre questões da sociedade [como o casamento entre pessoas do mesmo sexo], às vezes é preciso apenas deixar o tempo passar. Condeno as feridas que podem ser causadas durante essas discussões.

Para você, Franck é assassinado por Michel na floresta, no fim do filme?

Não, para mim ele não é. Franck se vê totalmente sozinho e não saberá jamais o que Michel teria feito se tivessem se encontrado. O final aberto deixa o espectador imaginar a sequência. E há tantas se­­quências possíveis como indivíduos que viram o filme, ou quase! Estamos habituados a histórias com começo, meio e fim, mas acho agradável também não dar um produto fechado ao espectador.

Você tinha alguma expectativa de que Um Estranho no Lago fosse tão bem-recebido pela crítica, a ponto de ser considerado o melhor filme de 2013 pela revista Cahiers du Cinéma?

Sinceramente, não imaginava o sucesso de crítica e o bom retorno ao nosso trabalho é motivo de grande orgulho. Durante as filmagens, queríamos fazer um grande filme, mas o tempo e o dinheiro nos faltaram algumas vezes, fazendo com que alguns dias fossem estressantes. Pessoalmente, o trabalho me deu uma visibilidade enorme, o que ajudou a me tornar conhecido. Ganhar legitimidade nesse trabalho dá força para o futuro.

Sobre os próximos passos, você já está trabalhando em um novo filme?

Vou atuar no próximo filme de Philippe Claudel [Há Tanto Tempo Que Te Amo]. As filmagens começam em junho deste ano. Estou muito feliz, é um projeto magnífico. Meu personagem terá uma cor diferente daquela de Franck em Um Estranho no Lago. Um personagem sombrio e muito duro.

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