Elenco traz atores profissionais e diletantes vindos de outras áreas do conhecimento, como a Física e a Arquitetura| Foto: Divulgação

Bia Lessa interrompeu uma visita ao Teatro Positivo, feita no fim de fevereiro, para falar com a reportagem da Gazeta do Povo sobre o espetáculo Formas Breves, com a qual se reaproxima da arte teatral depois de cinco anos de uma espera. Ao contrário da alardeada por seu contemporâneo de geração Geral Thomas, de­­sistindo dos palcos, sua motivação não era ideológica.

CARREGANDO :)

Para a encenadora paulista de Casa de Bonecas (2002) e Orlando (2004), fazer teatro apenas exige que se tenha o que dizer, e isso na­­turalmente acontece de tempos em tempos. O impulso que a restituiu ao território teatral, portanto, imergiu com uma dúvida: "Quem somos nós agora?"

Talvez isso explique por que Bia recorreu a uma não tão pequena biblioteca ao confeccionar a peça que apresenta hoje e amanhã, na Mostra Contemporânea do Festival de Curitiba. Na tentativa de entender o ser humano pela observação de seu cotidiano e das obras (literárias) por ele construídas, a encenadora e sua filha, a dramaturga Maria Borba, se serviram de Chekhov, Kafka, Dostoiévski. Ian MacEwan, Pedro Almodóvar e Antonin Artaud. Outros autores mais lembrados ao acaso cederam palavras, frases ou alguma ideia, como o escritor argentino Ricardo Piglia que, por seu livro homônimo, no qual contempla a variedade de gêneros literários, inspirou a estrutura fragmentária da dramaturgia à qual Borba se encarregou de dar fluidez.

Publicidade

Um protagonista é substituído por outro no correr da história: A atenção recai de início em um personagem que vai a um bar; passa então ao dono do estabelecimento; e logo que o comerciante visita um consultório odontológico, o dentista rouba o protagonismo. "É como se a gente pegasse uma luneta e apontasse para a Terra, olhando a cada momento para um pedaço da vida de uma pessoa na multidão", diz Bia, interessada em se aprofundar no exame das individualidades.

A perspectiva cosmológica adotada em parte se deve à formação de Maria Borba em Física Quântica. Uma teoria, sobretudo, alimentou a encenação. A ideia de que no vazio há uma infinidade de partículas positivas e negativas que, quando juntas, se anulam no nada, mas ao se desconectarem criam algo. "O vazio é lotado de possibilidades", interpreta a diretora. "Em vez de a vida ser especial, isso leva a pensar que não teria como a gente não existir. O surgimento é uma coisa rica e poderosa que acontece o tempo todo."

Criadora de espetáculos visualmente impactantes como Cartas Portuguesas (1991), Bia Lessa identificou durante a visita ao teatro curitibano a necessidade de estender o proscênio, para que o palco se alongue e a distância entre público e personagens aumente. Uma ampla área preta forrada de peças de roupa circunda a pequena região central onde a ação se passa, sugerindo a dimensão da solidão humana no universo vasto. Esse vestuário que forra o chão é todo usado, vindo de brechós ou doado, porque a diretora buscava, mais do que um cenário (que está indicado ao prêmio Shell-RJ), uma "presença" expressiva.

O elenco se formou por atores e profissionais de outras áreas, como físicos e arquitetos, que procuraram a diretora porque queriam se expressar pelo teatro. Bia assumiu o grupo e suas inquietações sobre o homem contemporâneo, sem garantir que, do processo, nasceria uma peça, como acabou acontecendo. O projeto deve ter um desdobramento também no cinema.

"O teatro é a arte mais humana que a gente tem, porque é a mais imprecisa. É uma obstinação de quem faz chegar cada dia mais perto da perfeição do espetáculo, e no dia seguinte de novo, porque depende de muitas variáveis humanas. É o lugar onde a gente mais lida com a vida, a superação de limites", acredita Bia. "Cada vez que faço, envelheço alguns anos."

Publicidade

Serviço

Confira a programação completa do Festival de Curitiba. Acesse http://guia.gazetadopovo.com.br/teatro.