Antes de se tornar o Vampiro de Curitiba, Dalton Trevisan afiou os dentes adolescentes projetando, criando e viabilizando a revista cultural “Joaquim”. Em 21 números, de 1946 a 1948, atacou, mordeu e tirou sangue de artistas representantes do academicismo e do paranismo. Pregou por uma nova arte e, como defendem alguns estudiosos, abriu espaço para que Curitiba finalmente, com quase duas décadas de atraso em relação ao Brasil, se abrisse à modernidade.
Os primeiros escritos de Dalton em prosa foram publicados na revista “Joaquim”. O crítico e poeta José Paulo Paes, que também foi um dos colaboradores da publicação a convite de Trevisan, afirma que as revistas literárias da época serviam de experimentação e trampolim para que escribas iniciantes se testassem, aprimorassem e lançassem na carreira de escritor.
Dalton criou a revista quando ainda não tinha 21 anos completos. Tudo o que tinha feito até então era um livro de poemas, cheio de sonetos, que ele prontamente renegou e uma outra revista, quando ainda cursava o Colégio Paranaense. Com a “Joaquim”, reuniu intelectuais e artistas de Curitiba que se opunham ao conservadorismo local e procuravam criar espaço para uma arte mais moderna, em sintonia com o que se fazia no país e no exterior.
Ali, o autor testaria tanto suas qualidades literárias quanto as críticas, não poupando os grandes nomes da cultura local.
O autor não vale o personagem
Acima do fascínio provocado pela personalidade reclusa está a obra de Dalton Trevisan, que o faz chegar aos 90 anos mais relevante que nunca
Leia a matéria completaOs principais ataques foram contra Emiliano Perneta (o “Príncipe dos poetas do Paraná”), Alfredo Andersen (o “pai dos pintores do estado), e o Paranismo, movimento que tentava se perpetuar como sucedâneo do Simbolismo, que dominou a literatura no estado na virada do século 19 para o 20 e teve justamente Emiliano Perneta como nome maior.
“Emiliano Perneta foi uma vítima da província, em vida e na morte. Em vida, a província não permitiu que ele fosse o grande poeta que poderia ser, e, na morte, o cultua como sendo o grande poeta que não foi”, escreveu Dalton.
Sobre o Paranismo, ele diria: “Fortalece-se certa mentalidade reacionária (disfarçada pelo lindo adjetivo de “paranista”), que, em nome de santas tradições, amputou as mãos e furou os olhos dos jovens artistas.”
#SemanaDoVampiro
Na internet, esta é a #SemanaDoVampiro. Além desta edição especial sobre os 90 anos de Dalton Trevisan, o Caderno G preparou também conteúdos exclusivos para a versão online. A Gazeta do Povo traz uma história em quadrinhos de Robson Vilalba (o conto “Uma Vela para Dario”) e tirinhas de Alberto Benett baseadas em seus contos. E também uma “websérie” em vídeo com quatro curtas-metragens inspirados na obra de Dalton Trevisan – os contos “Em Busca de Curitiba Perdida”; “Apelo”; “Pico na Veia” e “Os Botequins”. E, por fim, há uma leva de minicontos para compartilhar nas mídias sociais durante a #SemanaDoVampiro.
Na “Joaquim”, Dalton reuniu nomes como Erasmo Piloto, Wilson Martins, Temístocles Linhares e Poty Lazzarotto, entre os paranaenses que viriam a ter reconhecimento nacional.
Também conseguiu a colaboração de pesos pesados de fora, como Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Otto Maria Carpeaux, Portinari, Di Cavalcanti, Sérgio Milliet e vários outros.
Na mesma época em que produzia a “Joaquim”, Dalton lançou dois livros, duas novelas, em produção própria, depois renegadas; “Sonata ao Luar” (1945) e “Sete Anos de Pastor” (1946). Após 1948, continuou publicando em outras revistas e jornais, mas apenas em 1959, mais de dez anos após o fim da “Joaquim”, surgiria o aclamado “Novelas Nada Exemplares”, livro publicado nacionalmente que o lançaria de maneira definitiva no mundo literário e com o qual ganharia, já na estreia, seu primeiro Prêmio Jabuti de Literatura.
No fim do ano passado, Dalton publicou seu livro mais recente, “Beijo na Nuca”. Intrigante que nele está reaproveitado um conto, “Eucaris”, o primeiro que ele publicou na “Joaquim”, que, na versão inicial, lá de 1946, recebia o nome de “Eucaris, a de Olhos Doces”.
Como sempre faz com todas as suas criações através dos tempos, o texto recebe modificações a cada publicação.
Neste domingo (14), aquele rapazinho que se armava contra os medalhões locais e nacionais na década de 1940 completa 90 anos, já conta com cerca de meia centena de livros publicados e é o maior representante da literatura paranaense de todos os tempos.
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