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Detalhe da garrafa de whisky que foi vendida pelo equivalente a R$ 110 mil | Reprodução
Detalhe da garrafa de whisky que foi vendida pelo equivalente a R$ 110 mil| Foto: Reprodução

Mostra de filmes argentinos

Desde o dia 13 de agosto, o projeto Cine FAP, ligado à Faculdade de Artes do Paraná, exibe, semanalmente, até o dia 26 de novembro, um filme do Novo Cine Argentino. Entre os destaques, alguns longas inéditos em circuito comercial no Brasil como Un Oso Rojo e Rapado. Todos as sessões são às segundas-feiras, às 19 horas, e apresentadas com legendas em português. A entrada é franca.

Outubro•1.º – Un Oso Rojo – Israel Adrián Caetano (2002)•8 – Buenos Aires 100 km – Pablo José Meza (2004) •15 – O Outro Lado da Lei – Pablo Trapero (2002)•22 – A Família Rodante – Pablo Trapero (2004)•29 – Clube da Lua – Juan José Campanella (2004)

Novembro•05 – Conversando com Mamãe – Santiago Carlos Oves (2004)•12 – Whisky – Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll (2004) •19 – Rapado – Martín Rejtman (1991)•26 – A Menina Santa – Lucrecia Martel (2004)

Local da mostra: Auditório da FAP (Rua dos Funcionários, 1.357 – Cabral). Mais informações: (41) 3253-1771 / ramal 37

Enquanto o protagonista, um poeta em crise, e a mulher, que ele conquistou ao declamar um longo e tenebroso texto, fazem amor, escutamos seu discurso, comparando o sexo a uma volta em uma montanha-russa – que logo aparece na tela, com a câmera acompanhando seu trajeto. Findo o ato, o personagem principal aperta um botão sobre o seu criado mudo, o que faz com que o lado da cama em que estava a sua acompanhante abra como se fosse um alçapão, e ela, então, desaparece. Para completar, o personagem anda pelo campo, e, quando se dá conta, está conversando com uma vaca que diz ser sua finada mãe.

Esse cinema argentino, aqui representado por El Lado Oscuro del Corazón (1992), de Eliseo Subiela, foi enterrado junto com as metáforas, a atuação impostada e o peso excessivo que (mal) usava da linguagem cinematográfica como palanque de discursos que impregnaram boa parte dos filmes produzidos na Argentina nos anos 80 e início dos 90. Em cima dessa tumba, pousou um óvni. O alienígena tinha nome, Rapado (1991), e sobrenome, Martín Rejtman. "Era uma espécie de bicho raro, em que os personagens falavam diferente, as caras eram outras", como identificou o jovem cineasta Ezequiel Acuña, que, anos depois, viria a ser um dos expoentes do Novo Cine Argentino (NCA).

Rapado pareceu tão diferente justamente por ir contra aquele cinema que se fazia até então. Em princípio, foi identificado como de outro mundo, mas era, na verdade, muito próximo à nova realidade social argentina. Um filme de baixo orçamento feito de maneira totalmente independente em um país que, terminada a ditadura militar (1976 – 1983), passa a perceber que o passado glorioso tinha dado lugar a uma sociedade pobre e repleta de classes. Tal como o taxista de Pizza, Birra, Faso (1998), de Israel Adrián Caetano e Bruno Stagnaro, que finalmente demarcaria o início de um Novo Cine Argentino, as caras e personagens de Rapado pareciam-se com as daqueles que encontramos nas ruas de Buenos Aires.

Mundo Grúa (1998), de Pablo Trapero (Família Rodante), rodado num granulado preto-e-branco, afirmaria esse novo realismo latino-americano com o uso de não-atores, em uma linguagem que, muitas vezes e de modo brilhante, beira o documental.

O agressivamente real, que atingiria o seu ápice em Los Muertos (2004), de Lisandro Alonso, assim como no momento auge do NCA, em O Pântano (2001), de Lucrecia Martel, era apresentado de maneiras tão distintas que o sentido de ser "um movimento de cine", tal como seus famosos antepassados neo-realismo italiano e nouvelle vague, foi, por muitas vezes, questionado. A própria Lucrecia, peça chave dessa história, jamais assumiu fazer parte de coisa qualquer. Em sua essência, porém, a coincidência foi inevitável: um grupo de jovens cineastas, todos recém-saídos das faculdades de cinema, que, já em seus primeiros longas, foram multipremiados em festivais e mudaram o panorama da cinematografia nacional.

Com essas poucas informações que dei agora, leitor, solto a pergunta: movimento de cine ou não-movimento de cine? Àquele que acredita que Godard e Truffaut, ou mesmo Glauber e Nelson Pereira dos Santos, faziam o mesmo cinema, peço que atire a primeira pedra. Lucrecia, Rejtman e Alonso são, enfim, autores, no sentido mais caro da palavra tão querida por Bazin.

A Retomada e o cine das escolas

Quando entrevistei Manuel Antín, reitor da Universidad del Cine – escola de cinema de Buenos Aires criada em 1991 e apelidada pelo jornal francês Le Monde de "Eldorado para os cineastas aprendizes" –, minha primeira pergunta foi sobre o que seria do cinema sem as escolas superiores de cine. "Creio que não existiria", foi a resposta de Antín.

Nos anos 60, ele despontou como um dos expoentes do primeiro Novo Cine Argentino, que se sucedeu ao mesmo tempo em que o Cinema Novo, no Brasil. Já o atual NCA tem paralelos possíveis com o cinema brasileiro da Retomada. Diferente da produção de longas no Brasil, que literalmente parou com o fim da Embrafilme – no governo Collor, em 1990 –, na Argentina seguiu-se produzindo, ainda que lá, no mesmo ano (1990), tenham sido lançados apenas 12 filmes nacionais, um dos piores anos na história. Ou seja, no país dos hermanos, não houve uma retomada na produção, tal como foi o nosso caso com Carlota Joaquina (1995).

A teledramaturgia é, também, uma distinção importante. A Globo Filmes domina a distribuição no Brasil e, por conseqüência, influencia sobremaneira a estética nacional, deixando pouco espaço para a experimentação.

Aos argentinos, a pouca força da dramaturgia televisiva associada a uma lei de incentivo que, entre outros, destina 10% de todo o arrecadado em bilheteria, na forma de imposto, à produção e difusão do cinema nacional, permitiram a realização de um número maior de filmes-experimento, e, por conseqüência, tem um maior número de êxitos nesse sentido do que o Brasil.

Por outro lado, nos trabalhos em que a base é a linguagem literária, levamos a vantagem, com filmes como Lavoura Arcaica (2001) e Desmundo (2003). Em termos numéricos, a produção argentina, país de 40 milhões de habitantes e com a área referente a um terço da nossa, finalizará mais de 80 filmes neste ano, pouco menos que a produção anual de longas no Brasil.

Na formação dos cineastas, as diferenças não são menores: a grande maioria dos diretores do NCA é oriunda das escolas de cine, caso de todos os citados neste texto. O próprio Manuel Antín nos propõe um enigma: como isso é possível se no começo dos anos 80 eram menos de cem os estudantes de cinema na Argentina? Antín, que foi presidente do Instituto Nacional de Cine (INC) entre 83 e 89, é a própria resposta. Em uma gestão que privilegiou o ensino – novas escolas foram criadas e as antigas, sucateadas pelo regime militar, foram reabertas – a Argentina viu seu número de estudantes de cinema subir para 2 mil no começo dos anos 90, chegando, hoje, a expressivos 15 mil.

A profissionalização que o meio cinematográfico argentino passou nos anos 90 parece chegar somente agora no Brasil, muito estimulada por um aumento expressivo do número de instituições de ensino. Ainda que o panorama esteja mudando, a maior parte dos nossos cineastas vem de outras formações, como Arquitetura (Fernando Meirelles e Karim Aïnouz) ou Economia (Walter Salles). Beto Brant é um dos poucos destaques dos formados em Cinema. Com a próxima geração do cinema brasileiro prestes a debutar no longa-metragem, como os paulistas Marco Dutra e Esmir Filho, e o carioca Eduardo Valente, os três graduados na área, quem sabe também teremos algo novo por aqui.

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