Aclamado como a voz de uma geração, Franzen não acredita que a literatura deva servir a propósitos políticos, mas, sim, aos leitores| Foto: Greg Martin/Divulgação
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Para o escritor Jonathan Franzen, autor de As Correções e Liberdade, dois dos romances norte-americanos mais importantes publicados nos últimos anos, a literatura enfrenta hoje uma dura competição. A economia de livre mercado, que força o consumo a qualquer custo, e o mundo hipermidiatizado, tecnológico, conspiram para que as pessoas passem cada vez menos tempo sozinhas, condição imprescindível ao ato da leitura.

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"Elas consomem energia, ficam ocupadas, viciadas, nunca precisam realmente passar muito tempo consigo mesmas se não quiserem. Sempre vão ter uma mensagem no seu mural do Facebook ou um tuíte para responder", diz Franzen, para quem a ficção tem um grande poder: proporcionar aos leitores tempo que eles podem dedicar a si mesmos, a suas ideias e pensamentos. Mas isso também representa um desafio, uma vez que é necessário aprender a dizer não às tentações e vícios da vida moderna, que lhes proporcionam a ilusão de estarem em conexão com o mundo 24 horas por dia, sete dias por semana. E nunca a sós. "O que é, no mínimo, questionável."

Tímido confesso, Franzen, embora cordial, parecia intimidado diante dos jornalistas que se reuniram para ouvi-lo no fim da tarde de quinta-feira na Pousada do Ouro, situada no Centro Histórico de Paraty, onde acontece a décima edição de Festa Literária Internacional da Flip. Aos poucos, no entanto, suas respostas foram ficando mais longas e, como ele mesmo disse, "filosóficas".

Apontado pela crítica de seu país, mas não apenas nos Estados Unidos, como um dos responsáveis pela renovação do chamado "grande romance americano", capaz de tratar de temas de cunho privado, como família, amor e amizade, sem esquecer do momento político e histórico em que os personagens estão inseridos, Franzen se diz do tipo de escritor que busca reinventar mais ou menos a mesma história em cada uma de suas obras de ficção.

Tanto As Correções como Liberdade, ambos livros de dimensões épicas, com várias centenas de páginas, focam, primordialmente, na vida de famílias da classe média americana, em seus dilemas, mazelas, encontros, desencontros e inquietações. Como pano de fundo, todas as transformações que a vida política, econômica e social que o país tem atravessado.

"Talvez eu faça isso, falar sempre sobre esse mesmo universo, por falta de criatividade", brinca. Em seguida, Franzen acrescenta que, pelo menos na sua concepção, há dois tipos de escritor: os que buscam contar uma história distinta, tentando se recriar a cada novo livro; e os que se repetem, retornando aos mesmos temas, muitas e muitas vezes, mas sempre de forma diversa, no intuito de surpreender, trazendo uma nova dimensão e se aprofundar. A esse grupo ele diz acreditar pertencer.

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Como exemplo desse gênero de escritores, Franzen cita a canadense Alice Munro, de 81 anos, que ele diz considerar "o maior autor vivo na América do Norte", independentemente de sexo. "Ao longo de cinco, seis décadas, ela vem basicamente contando a mesma história, de personagens muito próximas ao que ela é."

Além de Munro, outros que costumam frequentar a mesa de cabeceira e a estante de Franzen são Don DeLillo, David Means e David Foster Wallace (1962-2008), que foi seu grande amigo. "Costumo tentar ficar próximo de escritores que admiro. Acho que o fato de gostar do que escrevem já é um bom indício de que podemos ter uma boa relação pessoal, quero conhecê-los de perto."

Na capa

Ao aparecer na capa da revista Time, em agosto 2010, logo após o lançamento de Liberdade, Franzen foi elevado à condição de "grande escritor americano de sua geração", capaz de, como poucos, falar da vida nos Estados Unidos. "Eu estava na Bolívia, e quando desembarquei em Miami, dei de cara com essa capa. Por causa dela, passei a ser odiado por muita gente. Nós, escritores, somos muito competitivos, invejosos uns dos outros (risos). Mas, se algumas pessoas já me reconheciam em aeroportos, na rua, depois de sair na revista, isso já passou. A memória das pessoas hoje em dia é bem curta. É muita informação ao mesmo tempo."

Apesar desse peso de ser chamado de voz de uma geração, Franzen não acredita que a literatura deva servir a propósitos políticos, mas, sim, aos leitores. "Quando escrevo, procuro me desarmar de minhas crenças políticas."

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Como exemplo disso, Franzen lembra do que sentiu ao criar um personagem importante de Liberdade, Joey, o jovem filho ambicioso e republicano do protagonista Walter Berglund, cujas convicções liberais e engajadas se chocam com o conservadorismo e a falta de escrúpulos do filho. "Eu odiei Joey, não gostava nem um pouco dele quando comecei a escrever. Mas, no âmbito da literatura, tenho de lembrar que, como na vida, nem todos os democratas são bons e nem todos os republicanos são maus, apesar das minhas concepções políticas."

E, para que seus livros funcionem, diz Franzen, ele tem de amar seus personagens, mesmo que eles não compartilhem de seus valores. Esse "amor" diz respeito ao grau de envolvimento que o criador tem com sua criação, com o tempo dedicado a pensá-la, a dar-lhe tridimensionalidade e, assim, verdade.

Há dois anos afastado da ficção, Franzen diz que começa a ter ideias para um novo romance. Enquanto isso, aqui no Brasil, a Companhia das Letras lança dois de seus livros, o romance Tremor, de 1992, e Como Ficar Sozinho, reunião de ensaios e artigos publicada originalmente em 2002.