A sombra do cineasta chileno Raoul Ruiz, falecido em agosto de 2011, parece pautar o filme dirigido por sua viúva Valeria Sarmiento, "Linhas de Wellington", embora o longa não tenha obtido tanto êxito na mostra competitiva da 69º edição do Festival de Veneza como o sul-coreano "Pietà", que faz uma critica ao capitalismo e conta com direção de Kim Ki-Duk.
Após a repentina morte do cineasta Raoul Ruiz, há pouco mais de um ano, Valeria Sarmiento optou por dar continuidade ao projeto que seu marido já tinha começado a elaborar, uma ambiciosa recriação da histórica da invasão napoleônica em Portugal, mas centrada mais no tecido emocional do que no próprio massacre.
"A sombra de Raoul age sobre todos nós e nos torna melhores", afirmou Valeria em um encontro com a imprensa espanhola. Apesar da influência do marido no processo de criação, a diretora, após ter rodado este complexo feito histórico durante 64 dias, em quatro idiomas e em pleno inverno português, assume que "Linhas de Wellington" é um filme seu.
"Ele (Raoul Ruiz) teria feito outro filme, com seis horas de duração (este tem duas horas e meia) e, provavelmente, abordando mais histórias", acrescentou Valeria ao falar sobre o diretor de "Mistérios de Lisboa" e "A Comédia da Inocência", que foi seu marido durante 42 anos.
A exumação do talento cinematográfico de Rouiz, que conta John Malkovich, Catherine Deneuve, Isabelle Huppert, Vincent Pérez, Marisa Paredes, Mathieu Amalric e Michel Piccoli no elenco, segue os moldes de uma superprodução europeia, a qual, posteriormente, chegará em formato de série ao canal francês "ARTE".
"Foi uma homenagem póstuma de todos eles a Raoul, um gesto muito lindo. Quiseram estar de alguma forma no filme que ele tinha imaginado", afirmou Valeria.
Apesar do elenco de estrelas, o peso do filme recai sobre os atores Nuno Lopes e Soraia Chaves, que conduzem uma excelente tropa de atores portugueses, que, muitas vezes, dão agilidade a uma pausada e emocionante epopéia de mulheres resistentes, viúvas desgarradas, soldados românticos e tragédias diluídas em milhares de cadáveres.
"Era um roteiro inteligente porque não tinha batalhas ao vivo para rodar. Não havia necessidade de rodar como os corpos saltavam pelos ares, mas a história de como um povo sofre durante uma guerra, algo que as mulheres costumam ficar de fora", disse Valeria, que chega ao seu oitavo filme como diretora em "Linhas de Wellington".
"Quando decidi aceitar o desafio do produtor de dirigir o filme, estive buscando elementos que me ligassem emocionalmente à história", disse a cineasta, que encontrou "certa relação com o exílio chileno, principalmente em relação às mulheres".
Valeria, que fugiu da ditadura chilena em 1973, assegura que sua experiência ajudou a entender essa virulenta disputa, considerando que, além disso, "é bom lembrar nestes tempos o que poderia acontecer na Europa em caso de uma invasão", concluiu.
Sobre outra invasão, a do capitalismo que arrasa as relações humanas, o filme "Pietà", do diretor coreano Kim Ki-Duk, explora os conceitos cristãos com parábolas violentas, as quais, por outro lado, escondem uma beleza cruel do sentimento.
"Quero falar do capitalismo extremo, do efeito que tem sobre as relações humanas. Como as modificam e as transforma em um sentido muito negativo", explicou Kim (vencedor do Urso de Prata, com "Samaria", e do Leão de Prata, com "3-Iron") após receber calorosos aplausos na entrevista coletiva, na qual compareceu com seus dois atores, Lee Jung-jin e a esplêndida Jo Min-soo, possível candidata ao prêmio do júri (Copa Volpi).
Essa piedade é a mesma que falta ao seu sanguinário protagonista, que trabalha para um agiota em um bairro pobre de Seul e costuma amputar de maneira nada ortodoxa aqueles que não podem pagar suas dividas.
A aparição da mãe de Kang-do (Lee Jung-jin), que abandonou o filho ainda pequeno, começa a despertar um sentimento de compaixão, mas também o de dor, que acaba chegando de uma maneira ainda mais intensa.
Após a câmara no ombro em "Amen" e o confessionário caseiro criado no documentário "Arirang", o cineasta Kim Ki-Duk, um dos mais aclamados na Europa, prende o espectador em "Pietà" com a mesma qualidade de seus outros filmes, como "3-Iron" e "Samaria".
"Na Coreia me conhecem como o diretor que tem êxito na Europa", assegurou Kim, que confirmou ter se inspirado na obra de Michelangelo para rodar seu 18º filme.
"Nos braços de Maria, o filho morto, recém tirado da cruz, é para mim uma imagem da dor, do sofrimento que está dentro de toda a Humanidade. É um abraço também de compressão, de quem compartilha essa dor", concluiu Kim.