O discurso da crônica, gênero da internet por excelência, ultrapassa os limites do espaço da comunicação em que nasce, anexando territórios vizinhos. Não apenas o que é conto hoje está mais para uma croniqueta um tanto preguiçosa como o próprio romance de autoficção se viu invadido pelos recursos desta anotação avulsa sobre a vida vivida. Até a filosofia da experiência mais imediata também se rendeu aos encantos da senhora crônica. E isso tudo é bom. É a literatura deixando de ser um monstro erudito que assusta as criancinhas.
É na poesia, no entanto, que se vê de maneira mais recorrente esta sobreposição. Poetas sempre foram grandes cronistas. Agora, parece ter ocorrido uma inversão. Os cronistas é que se fazem bons poetas.
Uma das vozes mais interessantes da lírica portuguesa, Filipa Leal (nascida no Porto em 1979), foi jornalista, fez mestrado em letras e hoje se firma como poeta. Seus livros, escritos em tom de crônica, falam das experiências de uma jovem em torno de quatro grandes temáticas. A principal é a amorosa.
O eu poético está em diálogo com o companheiro (que pode ser em alguns momentos o leitor), dirigindo-se a ele em um livro que traz a marca coloquial já no título: “Vem à quinta-feira” (Assírio & Alvim, 2016). Os versos, nesta coletânea, são leves e longos, chegando à prosa em alguns momentos. A poeta quer antes manter uma conversa com o leitor, totalmente avessa aos grandes gestos. Esta miniloquência faz com que nos esqueçamos de qualquer distância formal. Dessa maneira, em um clima íntimo, vamos percorrendo uma agenda existencial com as banalidades afetivas de todos nós.
O outro tema de Filipa é o envelhecimento. Ela se prepara para sediar a maturidade e isso a encanta e a assusta. Envelhecer na sociedade da juventude eterna é traumático – ótima matéria poética, portanto. Outro assunto, muito português, mas não só, é a crise econômica. Em mais de um momento, Filipa menciona a falta de trabalho nesta parte da Zona do Euro. No poema “Europa”, este assunto é central:
“Enquanto eu te escrevo, tu continuas a fazer contas, Europa.
Quem deve. Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus filhos têm fome, têm sono. Os teus filhos têm medo do escuro” (p.46).
A outra temática, talvez a mais rica da autora, é a que dá conta de livros, estilos, autores. Ela tem uma obra inteira dedicada à poeta que é objeto de seu mestrado e também sua maior influência. O volume se chama “Adília Lopes Lopes” (Edições Não, 2014). Em poemas curtos, epigramáticos, ela se vê como Adília, assumindo um discurso alheio que é ao mesmo tempo próprio, porque geracional, como se vê neste textinho sobre os Legos:
“Também brincava aos legos.
Naquela época, gostava de pensar que haveria de
construir
alguma coisa”.
Sua dicção traz o coloquialismo de Adília, algo do poema piada e um lirismo desesperançado, tão adequado à nossa época. Outro título seu, “Pelos leitores de poesia” (Abysmo, 2015), é a defesa de uma arte desprestigiada culturalmente e de seu valor em um mundo no qual não apenas o poeta está desempregado.
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