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Há 15 anos, a chegada da primavera em Barcelona é comemorada com música em um festival que hoje tem proporções colossais. Durante seis dias, 217 artistas se apresentam em 16 palcos, a maioria deles no Parc del Fòrum, espaço à beira do mar que tem o tamanho de 180 campos de futebol.

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O Primavera Sound não é qualquer festival. Há que se planejar e fazer escolhas difíceis.

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Você vai perder muitos shows, mas ver outros tantos. Alguns deles uma única vez na vida. A principal diferença em relação a seus concorrentes do Brasil – além da curadoria exemplar – é que a farta distribuição de artistas faz com que cada um encontre o seu público.

Então, para ver um dos shows esperados do dia, não é preciso fincar os pés em frente ao palco por horas e fazer xixi no copo de cerveja.

Também parece não haver ninguém “perdido” – quem vai ao show do Thurston Moore sabe que ele é o guitarrista do Sonic Youth.

Arthur Russell’s Instrumentals – Nos anos 1970, Arthur Russell (1951-1992) (foto) criou uma odisseia musical em 150 movimentos, compostos para serem interpretados em sequência por uma orquestra ou por um sexteto. O espetáculo apresentado no auditório do Parc del Fórum (cuja arquitetura impressiona), foi uma homenagem a esse compositor seminal, que compartilhou visões estéticas com Philip Glass e Steve Reich e hoje influencia José Gonzáles e Hot Chip. Uma orquestra completa explorou a mistura entre o minimalismo e a dance music. Numa tacada só. Brilhante.
Ride – A banda britânica provou o que disse o The Guardian: está melhor do que nunca, mesmo após 20 anos longe dos palcos. A harmonia vocal entre Mark Gardener e Andy Bell (ex-Oasis), a hiperatividade do baterista Loz Colbert e a consciência musical de Steve Queralt fizeram da apresentação do Ride uma aventura quase mítica, em que ternura e agressividade caminharam juntas. Destaque para o repertório abrangente (foi o show mais longo do festival), na medida para os fãs mais exaltados.
Spiritualized – Com a mistura entre gospel, pop e psicodelia, Jason Pierce parece ter encontrado a fórmula perfeita para ser um sujeito necessário na música. O ex-Spacemen 3 levou ao palco faixas de Sweet Light Sweet Light (2012), além de clássicos do Spiritualized como “Electricity” e “Shine a Light”. O clima era de missa (embora o show tenha sido mais retumbante do que messiânico). As backing vocals dão ares excelsos a uma apresentação visualmente matadora que deixa saudades.
Panda Bear – Noah Lennox tem colhões. O integrante do Animall Collective tornou-se um expert em explorar os abismos do pop. Seu show é imprevisível, com conversações inusitadas entre a música eletrônica e o rock. Os vídeos têm função importante em suas apresentações (o show foi no auditório) porque, pela repetição e alta dose de lisergia, causam sentimentos diversos – e a repulsa é um deles.
The Thurston Moore Band – Thurston Moore é o tio mais legal do rock alternativo. Acompanhado de uma banda espetacular que conta com Debbie Googe (My Bloody Valentine), tocou as músicas de The Best Day (2014), disco que retoma as influências noise que ele mesmo criou, incluindo aí simplesmente o Sonic Youth. Foi um show categórico e potente, com improvisações e momentos de êxtase instrumental. Protetores de ouvidos foram necessários, mas viam-se pessoas dançando ao som de todo aquele barulho calculado.

Por essas e outras (o ingresso custava 146 euros em média, ou R$ 511), o Primavera Sound é um investimento em música, e não um passeio de fim de semana.

Pela primeira vez, a Gazeta do Povo esteve presente no evento que reuniu 175 mil pessoas em Barcelona. Assistimos a 24 dos 217 shows (para uma pessoa, essa é uma boa média, acredite). A cobertura terá ao menos mais duas reportagens.

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Abaixo, há uma lista com as cinco melhores apresentações. E cinco artistas para prestar (mais) atenção.

Pois o Primavera também é isso: uma vitrine para bandas que irão acontecer. Um festival que te surpreende, enfim.

Sun O))) – Imagine-se num sonho de David Lynch com a trilha sonora do inferno. Experiência mais perturbadora do Primavera Sound, a Sun O))) estuda os limites da música. Sua sinfonia apocalíptica é propositalmente incômoda e carrega uma aura medieval que ultrapassa o risco do brega para se tornar sensorial (no show, era impossível ficar o tempo todo de ouvidos destampados e mesmo assim alguns entraram em um transe impressionante).
Viet Cong – União de membros das bandas norte-americanas Women e Monty Muro, é um grupo que dá vida nova ao pós-punk. E faz isso com gana, distorções intermitentes e o carisma errático de um vocalista insano, levemente desafinado (e isso não é uma crítica ruim dentro deste contexto particular). Lançaram o primeiro disco, homônimo, neste ano.
Foxygen – “São uns piás doidões e hipsters”, diriam os desavisados. São sim. Mas, se no que já produziram até agora ainda estão longe de referências diretas como T. Rex e Velvet Underground, no palco são capazes de muita coisa. É uma banda urbana – as backing vocals são como garotas que vão ao James Bar e exageram na saquerinha –, conectada e deliciosamente exagerada. São do Canadá e têm três discos.
Cheatahs – Deveria ser proibido citar o shoegaze na mesma presença de Ride, mas a Cheatahs tem algo a ser explorado. Com uma releitura própria do gênero em três EPs e um álbum homônimo lançado ano passado , a banda ganhou espaço no underground britânico e vem colhendo boas críticas. Ao vivo, soam como uma viagem noturna e veloz numa noite fresca.
American Football – Espécie de emo sinfônico, que de repente se converte em slowcore, a banda é eficiente em capturar de forma confessional a angústia dos momentos que retrata. Ao vivo, as sutilezas e os matizes sonoros ganham em amplitude. O grupo foi formado em 1997 (era um trio), acabou em 2000 e retornou ano passado, para uma série de turnês. Têm um disco e um EP no currículo, ambos homônimos.