Modernismo: expressionista Lasar Segall, criador de Bananal, em 1927| Foto: Reprodução
Tarsila do Amaral, que não participou da Semana de 22, mas tornou-se figura importante do estilo ao longo daquela década, com obras como Abaporu, de 1928
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A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um verdadeiro estopim do modernismo brasileiro, mas este reconhecimento é fruto de desdobramentos posteriores. Com a criação da revista Klaxon, o nascimento da poesia Pau-Brasil, da Antropofagia, do movimento da Anta, entre outros, a arte moderna no Brasil recebeu continuidade e foi aprofundado. É preciso lembrar que a Semana, na sua época, foi um evento de repercussão limitada: o seu caráter escandaloso e revolucionário não teve o alcance pretendido, pelo menos imediatamente. O entendimento que hoje temos da Semana é uma construção histórica, ou seja, um conjunto de obras, afirmações e estudos que estabelecem aquilo que conhecemos como modernismo brasileiro.

No campo das artes plásticas, a introdução de vertentes derivadas das vanguardas modernas que haviam surgido recentemente na Europa – o futurismo italiano, o cubismo, o expressionismo alemão, entre outros – vinha ao encontro de um duplo desejo: atualizar a linguagem visual da arte brasileira e criar uma arte que fosse autenticamente "nacional". A ideia de criar uma arte brasileira não era novidade, pois a pintura acadêmica do século 19 já havia buscado abordar temas brasileiros: o índio, o processo de colonização, a história nacional. É claro que os pintores acadêmicos, trabalhando a serviço de uma ideologia que desejava criar uma identidade nacional, empregaram uma linguagem estereotipada, derivada dos modelos europeus da pintura pompier com traços do historicismo e do romantismo. E a Semana veio para instaurar uma ruptura com esta tradição e seus valores, considerados ultrapassados.

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No entanto, a linguagem artística nova, trazida pelos artistas modernos, também tinha origens europeias. Esta, aliás, a grande lição da Antropofagia: a arte brasileira não se acanhou, nunca, de absorver e adaptar modelos estrangeiros. O modernismo da Semana foi anárquico, provocativo e irregular, unindo artistas de diferentes estilos, do expressionista Lasar Segall ao geométrico e elegante Brecheret, de Anita Malfatti ao cubismo abrasileirado de Di Cavalcanti. Segall e Brecheret eram de origem estrangeira; tanto Anita quanto Tarsila do Amaral (que não participou da Semana mas tornou-se figura importante do modernismo ao longo da década de 1920) haviam estudado no exterior, onde conheceram as novas tendências artísticas. Se o caráter nacionalista não deixou de estar presente, é inegável também que o impulso inicial que aglutinou o grupo moderno foi motivado pelo contexto europeu.

Ruptura

O reconhecimento da Semana como o grande marco do modernismo brasileiro corresponde também a uma visão da modernidade como um período que se estabelece através de rupturas grandiosas e radicais com o passado. Artistas que representam a nossa transição para o moderno, como Almeida Júnior, Belmiro de Almeida e Eliseu Visconti acabaram sendo eclipsados por esta visão, e hoje são pouco conhecidos do grande público. Porém, talvez esta seja a grande importância da Semana: a instituição desta forma "moderna" de pensar a arte, em que a originalidade e a ruptura com o passado são, muitas vezes, confundidas com valor estético. Desde que nos tornamos modernos, o artista é visto como aquele que transgride, que desafia as normas e quebra os tabus da sociedade – herança romântica, aliás, presente em quase todos os modernismos.

Hoje entendemos que a originalidade absoluta e a ruptura total com o passado são mitos – mitos modernos. Mitos que ainda hoje reaparecem, em especial nas relações com a tecnologia, quando ouvimos dizer que "o cinema 3D vai substituir o cinema tradicional", "as redes sociais vão substituir o contato físico e pessoal", "o livro digital vai substituir o livro de papel". Já no final do século 19, no alvorecer da modernidade europeia, pensou-se que a fotografia iria tornar a pintura obsoleta – e o impressionismo veio a desmentir essa suposição. Por tudo isso, é preciso relativizar a nossa modernidade e entendê-la como parte de uma história maior – como também é preciso relativizar o contemporâneo, compreendendo que o presente não é imune aos conceitos, preconceitos e mitos do passado. Mas o legado daquele grupo inquieto de artistas reunidos em 1922 sobrevive através do direito que a arte conquistou de desafiar, corajosamente, os conservadorismos exacerbados e as mentalidades autoritárias – presentes, entre nós, até os dias de hoje.

Fabricio Vaz Nunes é professor de História da Arte da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, crítico de arte e mestre em História da Arte pela Unicamp. Atualmente é doutorando em Estudos Literários pela UFPR.

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