Na cerimônia do Oscar, em março deste ano, O Segredo dos Seus Olhos levou a estatueta de melhor filme estrangeiro, depois de já ter conquistado um prêmio à parte em solo argentino: a maior bilheteria para um filme nacional em 34 anos, com 2,4 milhões de espectadores. Em sua 13.ª semana em cartaz no Brasil, a situação não é diferente. Com 268 mil ingressos vendidos, é um fenômeno para o seu nicho do mercado.
Ainda em março, a revista canadense Cinema Scope, referência na área, estampou em sua capa uma imagem de La Libertad (2001), de Lisandro Alonso, e o elegeu terceiro melhor da década em uma seleção feita por críticos e que incluiu trabalhos de David Lynch, Jia Zhangke e Pedro Costa. "Ele é o mais jovem e selvagem dentre os grandes cineastas modernos", definiu Olivier Père na publicação.
Mas nem La Libertad, nem mesmo os três longas-metragens subsequentes do diretor figuram na lista dos 52 filmes argentinos lançados no Brasil desde 2002 número levantado a partir de informações disponíveis no portal Filme B, especializado em mercado de cinema no Brasil.
Trata-se de um número expressivo, mas de um conjunto marcado por escolhas conservadoras: o que não dá conta da diversidade da produção do país vizinho, onde se faz filmes aos montes, muitos deles de qualidade notável. "Costumo dizer que aqui se levanta uma pedra e lá está um cineasta argentino", afirma Andrés Di Tella, documentarista cujos filmes foram apresentados no Brasil no festival de documentários É Tudo Verdade.
"Dos cem longas-metragens que fazemos por ano na Argentina, há 30 que apresentam algo muito interessante e que são completamente diferentes entre si. Nosso valor está na diversidade", complementa o realizador, que além de cineasta, foi o primeiro diretor artístico do Bafici, o Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires, criado em 1999. Trata-se de um panorama bastante distinto de 1994, quando foram feitos apenas cinco filmes no país.
A primeira edição do Bafici trazia Silvia Prieto, o segundo longa-metragem de Martín Rejtman. O texto de apresentação da primeira retrospectiva dos filmes do cineasta nos Estados Unidos que aconteceu há dois meses, na cinemateca da Universidade de Harvard começava assim: "O Novo Cinema Argentino, que floresceu nos anos 1990 e cujos efeitos de transformação ainda ressoam nos dias de hoje, encontrou sua primeira expressão verdadeira nos filmes de Martín Rejtman". O texto ainda ressalta a carreira paralela do cineasta como escritor e chama Silvia Prieto e seu filme seguinte, Los Guantes Mágicos, de obras-primas de uma rara sofisticação entre as comédias contemporâneas.
"Do Brasil nunca recebi uma ligação de alguém interessado em distribuir meus filmes", conta Rejtman. Ele veio ao país em 2005 para apresentar seus três longas-metragens ficcionais em uma sessão retrospectiva no 15.º Cine Ceará. "Me lembro muito de Fortaleza. Os filmes foram muito bem recebidos e houve bastante interesse do público e dos cineastas presentes", recorda.
Em breve, uma das alternativas para ver seus filmes no Brasil será o site Mubi.com, que faz exibições pagas de filmes na internet e que hospedará os longas-metragens de Rejtman, com legendas em português.
Gonzalo Aguilar, de 46 anos, autor do livro Otros Mundos: un Ensayo sobre el Nuevo Cine Argentino, inédito no Brasil, lamenta a falta de políticas culturais entre os dois países. "Se o Mercosul funcionasse, poderia ser realizado um convênio que editasse DVDs para fortalecer o circuito alternativo de exibição, mas o Mercosul, culturalmente, nunca existiu", opina.
A ausência de diversos trabalhos de referência recentes levou a cinematografia argentina a ser vista de maneira equivocada, ou ao menos incompleta, no Brasil. "E essa falta de conhecimento também nos leva a pensar que a grama do vizinho é mais verde. Mas nós também temos cineastas interessantes e eles também têm os Se Eu Fosse Você da vida", opina Pedro Butcher, editor do Portal Filme B. "Com a revolução digital, o mercado mudou muito no Brasil: chegaram filmes de várias nacionalidades, enquanto o circuito de salas de arte segue pequeno. Assim, a circulação de filmes argentinos por aqui ainda é muito restrita", complementa.
Brasil
Di Tella vê uma falta de simetria na relação BrasilArgentina. Trazendo como comparação a música, acredita que hoje se passa o mesmo com o cinema, mas no sentido inverso. "As letras de Caetano (Veloso) e Chico (Buarque) foram muito importantes para a minha geração, em que havia um interesse de mão única dos argentinos em relação à música brasileira", diz Di Tella.
"Meu amigo (o documentarista brasileiro) João Moreira Salles me questionou como os filmes argentinos podem ser tão bons. Ele me disse que, no cinema brasileiro, o que é explosão, aqui é sutileza", diz. Di Tella não vê, porém, o mesmo interesse dos argentinos em relação ao cinema brasileiro.
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