O Festival de Teatro de Curitiba chega à sua 25ª edição nesta quarta-feira (23) com um mar de 3 mil artistas e técnicos participantes. Entre pelas de Curitiba e de fora, serão cerca de 400 atrações entre a mostra contemporânea e a paralela Fringe até dia 3 de abril. O destaque deste ano é o grande número de peças experimentais, que lidam com contatos extremos entre os atores, com mordidas, interação e nudez. Conheça os três primeiros espetáculos da grade principal que se apresentam nesta quarta (23) e quinta-feira (24):
“Mordedores”: atores com hematomas
Casa Hoffmann, dias 23 e 24 às 21h
O espetáculo que vem do Rio de Janeiro flerta com a performance e a dança contemporânea. Não será uma peça fácil de assistir, já que o ponto de partida é a mais pura violência. Mas a violência pesquisada pelas diretoras Marcela Levi e Lucía Russo é depurada e expressa em gestos, não palavras. Sobretudo em mordidas, que o elenco de sete artistas vindos de várias áreas de atuação distribui de forma real – eles inclusive saem com vários hematomas – mas também poética.
“Partimos do questionamento se a violência pode ser uma força criativa e desejável, e não destinada ao aniquilamento”, contou Marcela à Gazeta do Povo.
O início do projeto ocorreu em 2014 em época de Copa do Mundo – quando um dos principais factoides foi a mordida desferida pelo jogador de futebol uruguaio Luis Suárez num rival italiano. Apesar de esse esporte ser campo de agressões constantes, a mordida ganhou grande repercussão. “Nossa hipótese é que isso ocorreu porque a mordida é considerada um contato sujo, que envolve saliva, cheiros e toca na erótica. Então levamos isso para outras áreas. Por exemplo, quando você lê um livro, ‘morde’ um autor, e é mordido por ele.” Outro fato real que influenciou a montagem foi o processo de pacificação de favelas no Rio de Janeiro.
Na prática, o que o espectador vê é uma série de interações do grupo, que envolve mordidas em várias partes do corpo. “As pessoas se mordem de fato. Não é uma mordida de arrancar pedaço, mas também não é fingimento”, garante Marcela.
Durante oito meses de ensaios, eles foram descobrindo formas de se proteger, com pomadas e outros recursos.
“Hamlet – Processo de revelação”: uma peça sem texto
Sesc da Esquina, dias 23 e 24, às 21h
Ao invés de interpretar o príncipe “Hamlet”, de Shakespeare, o ator Emanuel Aragão conversa com o público sobre a peça, que ele considera a mais importante da história do teatro. Apesar de haver um roteiro a seguir, a cada noite o resultado é diferente, já que não há um texto definido e a plateia é convidada a interferir a qualquer momento.
“Já me falaram coisas horríveis na plateia, mas também carinhosas. Às vezes fico triste com o caminho que a peça toma”, conta Emanuel, que conversou com a Gazeta do Povo. Ele próprio não traz o tema para a política atual, mas é comum que os espectadores façam isso.
As luzes ficam acesas o tempo todo, com o mesmo (e lindo) cenário no palco, o que impede que o espectador mergulhe totalmente na ficção: ele fica sempre com um pé na realidade.
A grande pegada de abordar a história em que “há algo de podre na Dinamarca” nesse formato é que existem diversas possibilidades de interpretação da tragédia. Um lado mais político, outro mais psicanalítico.
“Cada um se identifica com Hamlet por um motivo diferente. Ele funciona como uma espécie de espelho para muita gente”, define Emanuel. Pessoalmente, ele conta ter “neuroses” parecidas com as do personagem de Shakespeare, que recebe uma pesada incumbência do pai e precisa lidar com as escolhas da mãe.
“No fundo, tentamos imaginar o que ele está sentindo, que angústia é essa pela qual Hamlet está passando.”
“Batucada”: atores e política desnuda
Espaço Cult, dias 23 e 24 às 21h
Esse espetáculo chama a atenção por onde passa meses antes da estreia, quando é feita uma convocação para o público em geral participar do elenco, e não apenas artistas. Em Curitiba, houve 60 inscrições e cerca de 40 permaneceram na proposta do diretor Marcelo Evelin, do Piauí, a grande maioria ligada à dança ou ao teatro.
Munidos de panelas e pedaços de madeira, eles executam um roteiro performático bastante relacionado à política, que é a motivação inicial do espetáculo. “Eu procuro pessoas que não precisem ser protagonistas o tempo inteiro, e tirar a arte desse lugar técnico, num acontecimento entre o carnaval e o protesto”, definiu Evelin à Gazeta do Povo.
Como o grupo é grande e o local, pequeno, a proximidade entre a massa de participantes e o público tende a ser extrema. Há momentos de ritmo contagiante, quando a batucada vira música e todos se tocam. A partir da metade do evento, os atores espontaneamente vão tirando a roupa, e no final chegam a sair para a rua assim mesmo.
“Nos concentramos em como o corpo se torna um meio de expressão no espaço público”, diz o coreógrafo, que estreou seu happening na Bélgica e já passou por Frankfurt e pelo interior do Brasil.
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