Ele “inventou o humano”, nas palavras do crítico Harold Bloom. Os 400 anos da morte de Shakespeare serão lembrados neste Festival de Curitiba, que começa na próxima quarta-feira (23). Além de encenações de “Hamlet”, “Macbeth” e da comédia “Medida por Medida” (as duas últimas com Thiago Lacerda), um minicurso trará bases para auxiliar o público a desfrutar melhor da experiência de ouvir as palavras do bardo.
Com seis horas de duração, indo das 9 às 11h entre os dias 22 e 24 de março, o Minicurso Shakespeare 400 anos ocupará o Solar do Rosário, local que tradicionalmente recebe o evento Abril de Shakespeare, que não será realizado neste ano. O curso chamou a atenção do público e as vagas foram todas preenchidas, havendo uma lista de espera.
Serviço
Dia 22, das 9 às 11h: “Uma comédia sombria: Medida por Medida e a questão ética”, com Liana de Camargo Leão.
Dia 23, das 9 às 11h: “Hamlet e o conceito de humanidade no mundo moderno”, com Célia Arns de Miranda.
Dia 24, das 9 às 11h: “O que está feito não pode ser desfeito: bruxaria e vilania em Macbeth”, com Anna Stegh Camati.
Local: Solar do Rosário (R. Duque de Caxias, 4, no Largo da Ordem), (41)3225-6232. Entrada franca com inscrições pelo e-mail palestras@festivaldecuritiba.com.br (lista de espera).
Das três obras a serem abordadas, é especialmente na comédia “Medida por medida”, cujo enredo é menos conhecido por parte do público, que se revela a atualidade da filosofia por trás da escrita de Shakespeare. Para a professora Liana Leão (UFPR), que dará uma aula sobre a abordagem da ética na peça, a narrativa trata da “investigação da justiça, das leis, do perdão e da misericórdia”.
Na trama, o duque Vicêncio está incomodado com o descumprimento das leis em seu reinado, especialmente daquelas relacionadas à fornicação, e decide se disfarçar para observar os acontecimentos à distância. Ele deixa o poder nas mãos de um rigoroso juiz, cuja aplicação obstinada da lei acaba separando dois inocentes. Uma noviça tenta salvar o irmão, mas o juiz deseja cobrar para isso sua virgindade. Quem a auxilia é o próprio duque, disfarçado de religioso. “A grande questão que fica é: como se deve governar?”, explica Liana.
Hamlet, o intelectual
Se a filosofia nesta comédia sombria é perpassada por ação intensa, em “Hamlet” ela é o próprio foco, na figura do príncipe titubeante da Dinamarca. Após ter uma visão do fantasma do pai que revela ter sido assassinado pelo irmão, ele enfrenta o dilema de vingar-se ou não do tio, como e quando.
Galã
Um segundo evento sobre Shakespeare acontece dia 27, às 15h30, no Ave Lola Espaço de Criação (R. Portugal, 339, São Francisco), (41) 2112-9924. O ator Thiago Lacerda e os professores Stephan Baumgärtel (UDESC) e Liana de Camargo Leão (UFPR) debaterão sobre as montagens que Thiago traz nesse Festival. A mediação será de Lúcia Camargo, ex-curadora do evento. A entrada é franca.
“Ele não é mais o herói grego, protegido por um deus, e sim toma o destino em suas próprias mãos”, explica a professora Célia Arns de Miranda (UFPR), que dará aula sobre essa tragédia. “Shakespeare é insuperável em retratar o conflito interior. Para os gregos, o destino é soberano, mas para ele o homem é o seu próprio destino. Shakespeare dá início à lenta e implacável crise do herói moderno quando põe em cena Hamlet, o quase-herói.”
A relação entre destino e poder decisório também é central em “Macbeth”, tragédia que será abordada pela professora Anna Stegh Camati (Uniandrade) no último dia de curso. Ao ouvir a predição de que será rei, o capitão Macbeth decide apressar as coisas, com o auxílio da esposa, e assassinar o rei atual. O que se sucede é um banho de sangue e um mergulho na loucura, ficando aberta a reflexão de qual a influência do sobrenatural sobre os homens.
“Além de versar sobre o trágico e a natureza humana, também abordo a dimensão política da peça de Shakespeare em seu contexto sócio-cultural”, disse à Gazeta do Povo a professora Anna. “Aspectos como a vilania e a legitimação da violência, gerados pela ideologia do absolutismo monárquico, e questões sobre a função das bruxas no contexto ficcional da tragédia também serão examinadas.”
5 versos de “Medida por medida”, de Shakespeare, que assemelham a Inglaterra do século 17 ao Brasil de hoje
“Nós temos leis e estatutos severos – que não cumprimos há 19 anos.”
“A liberdade abusa da justiça.”
“As nossas leis estão mortas.”
“Uma coisa é sentir a tentação. Outra é cair.”
“O que importa a lei, se é um ladrão que julga o outro?”